domingo, 9 de agosto de 2009

6. Algumas questões

Carl Rogers entendia a sua abordagem como sendo uma abordagem fenomenológico e-xistencial . Entendia que a tendência atualizante, que ele preconizava como fonte básica da moti-vação humana, só operava fenomenologicamente. As condições que ele constituiu como condições de criação de um cli-ma terapêutico – quase tão faladas quanto mal entendidas – são condições fenomenológicas. As características do funcionamento ótimo da persona-lidade são características eminentemente fenomenológico existenciais.
Rogers sofreu uma influência importante das psicologias fenomenológico existenciais de Abraham Maslow e de Rollo May, introdutores da psicologia fenomenológico existencial nos EUA, influenciados pelos psicoterapeutas feno-menológico existenciais europeus, em particular Medrard Boss e Ludwig Binswanger, que busca-vam constituir uma psicoterapia fenomenológicas a partir da fenomenologia de Heidegger. O livro Existence , de Boss e Bin-wanger, dentre outros, publicado originalmente na Europa, teve sua publicação nos EUA patro-cinada por Maslow e por May. Rogers fez a revisão da obra.
No entanto, Rogers, de um modo geral, não tematizava de um modo mais sistemático e explícito os fundamentos fenomenológico exis-tenciais de sua abordagem, ainda que teorizasse de um modo bastante significativo. Progressi-vamente, os escritos de Rogers foram se tornando cada vez menos teorizantes, cada vez mais ensaísticos. Registros dos processos de sua experimentação em psicologia e psicoterapia, em particular no desenvolvimento e vivência de seu modelo de trabalho com grupos.
Certamente que a indisposição de Rogers para um maior aprofundamento teórico advinha de suas influências empiristas.
Mas o propugnador incansável da con-cepção de empatia no âmbito da psicologia e da psicoterapia não podia ser simplesmente um empirista objetivista. O Carl Rogers que acolheu as concepções fenomenológicas da psicologia or-ganísmica de Kurt Goldstein, como tendência atualizante, auto-atualização organísmica, avaliação organísmica da consciência, não podia ser sim-plesmente um empirista objetivista Rogers não se filiava ao empirismo do Pragmatismo, nem ao empirismo anglo saxão, de um modo geral. Não se filiava ao comportamentalismo. Ainda que não estivesse bem desenvolvida a explicitação e o esclarecimento da vinculação de suas concep-ções à Fenomenologia e ao Existencialismo.
No seu modelo de trabalho com grupos, a partir de 1974, há uma depuração e radicalização das características fenomenológico existenciais de seu modelo. Há uma relativização das idéias de tendência atualizante, e mesmo de condições terapêuticas no contexto do grupo, para centrar-se no provimento de condições hermenêuticas para o desdobramento da dialógica do encontro gru-pal.
O fato, entretanto, é que Rogers pouco tematizou os fundamentos fenomenológicos de suas concepções, ainda que estas se caracterizem de um modo muito específico pela perspectiva fenomenológico existencial.
O fato, entretanto, também, é que a frágil explicitação e desdobramento dos fundamentos fenomenológico existenciais da abordagem roge-riana faz com que suas concepções, e o arcabouço teórico geral de sua abordagem se fragilizem. Gerando dificuldades para a repro-dução de seu conhecimento, e formação de no-vos profissionais a ela aderentes.
Alguns conceitos estão, em função disto, pobremente elaborados. Alguns flagrantemente inconsistentes e superados.
O conceito de tendência atualizante, por e-xemplo. Sua concepção vincula-se a uma perspectiva biológica. Quando as questões perti-nentes à terapia, ao trabalho psicológico, à facilitação de grupos, dizem respeito não a uma dimensão biológica, mas à dimensão fenomeno-lógico existencial. A explicitação desta concepção segundo a perspectiva fenomenológico existen-cial permite a assimilação da tendência atualizante à dimensão do possível, da possibili-dade compreensivamente vivida. E a concepção de seu desdobramento à noção de interpretação fenomenológico existencial. E à compreensão do modelo rogeriano como uma hermenêutica fe-nomenológico existencial.
Por outro lado, a noção de compreensão, na concepção de compreensão empática – tão impor-tante na concepção da abordagem rogeriana -- filia-se à concepção de compreensão da filosofia da vida de W. Dilthey – a reprodução em mim, um ser vivencial, da vivência de outro ser vivencial. Martin Heidegger foi influenciado por Dilthey, e desdobrou as suas concepções, concebendo a compreensão como a própria constituição do sen-tido, ao nível do ser-no-mundo. Diferentemente da perspectiva de Dilthey, a compreensão desta forma concebida deixa de ter uma concepção ob-jetivista, ou subjetivista, já que a vivência de ser no mundo se dá fora da dicotomização sujeito-objeto. A compreensão empática pode assim ser compreendida de um modo mais próprio, em particular no sentido de seu caráter dialógico.
Assim, desvendar as raízes fenomenológi-co existencial das concepções de Rogers, da abordagem rogeriana, permite uma apuração de seu sentido, uma apuração do sentido das con-cepções de Rogers. A superação de processos degenerativos da abordagem, e uma continuação da sua produção e reprodução.