domingo, 9 de agosto de 2009

4. Nem Teorético, nem Prático. Muito menos Pragmático O Paradigma Rogeriano. Fenomenológico Existencial: Poiético.

4.
Nem Teorético, nem Prático.
Muito menos Pragmático
O Paradigma Rogeriano.
Fenomenológico Existencial: Poiético.



Uma das características mais marcantes e es-pecíficas do paradigma rogeriano, do paradigma fenomenológico existencial, é a de que ele não é da esfera do prático, ele não é uma prática.
A característica do modo vivencial, fenome-nológico existencial, que o paradigma rogeriano preconiza, como modo privilegiado de vivência -- para o cliente, e para o desempenho metodológico do terapeuta, ou psicólogo – se descompromete com, e não privilegia, as características fundamen-tais do prático e da prática.Tais como a ação voluntária, a utilidade, a hegemonia do princípio de so-brevivência como critério (mas a superação). O vivencial, fenomenológico existencial, dialógico e poiético, é um modo de sermos no qual dão-se, co-mo vivência, a força do possível, e da possibilitação, de sua atualização.
Diferentemente do prático e da prática, as ca-racterísticas peculiares do modo fenomenológico existencial, poiético e dialógico, são a ação espontânea (em contraposição com a ação voluntária, própria à prática), a vivência fora do plano da dicotomização sujeito-objeto; e fora do modo de sermos em que vi-gora a causalidade, em que vigoram os fins e os meios. São características definidoras, ainda, do modo fenomenológico existencial de sermos a vivên-cia de superação, característica e intrínseca à atualização de possibilidades (em contraposição ao predomínio do princípio de sobrevivência, à adaptação e à conservação, característicos do prático e da prática).

Esta característica não prática do paradigma fenomenológico existencial rogeriano talvez seja um pouco mais sutil, e até mais desconhecida. Uma vez que é mais disseminada a compreensão de que a vi-vência do paradigma rogeriano, não é da esfera do teórico e da teorização.
Automaticamente assume-se, então, freqüen-temente, que o paradigma rogeriano seria da esfera da prática. Com o risco de confundi-lo, como fre-qüentemente ocorre, de um modo articulado teoricamente, ou não, como um modelo pragmático.



A. O paradigma rogeriano, nem teoré-tico, nem prático; nem pragmático. Fenomenológico existencial dialógico e poi-ético.

Fenomenológico existencial dialógico, poiéti-co, caracteristicamente, o paradigma rogeriano, assim, não é teorético, e teorizante em sua vivência. A Fenomenologia e o Existencialismo privilegiam um modo de vivência, um modo de “consciência”, que não é teórico, que se caracteriza como “consciência” pré-reflexiva, pré-conceitual, pré-teórica. É especifi-camente isto que define o empirismo da Fenomenologia, e do existencialismo, da filosofia da vida. O fato de se caracterizarem como abordagens da realidade na própria vivência fenomenal, pré-reflexiva, pré teórica. E não através da mediação do teórico, da teoria e do conceitual. Enquanto não teo-rizantes, não conceituais, as abordagens fenomenológico existenciais serão sempre, como tais, empiristas.
Vale observar, como observamos, que este empirismo é, especificamente, um empirismo feno-menológico existencial, e não o empirismo objetivista, do objetivismo e do pragmatismo.
Vivencial, portanto, o paradigma rogeriano não é, na sua vivência, um paradigma de privilégio da experiência abstrativa, não é um paradigma de privilégio da abstração, de privilégio da reflexão, da teorização.
Não teorético, assim, o paradigma fenomeno-lógico existencial rogeriano é facilmente concebido, de modo algo automático, como sendo então da or-dem da prática, da ordem de um modo prático de sermos.
É fundamental para a compreensão do para-digma rogeriano, do paradigma fenomenológico existencial, compreendermos que, da mesma forma que a sua vivência não é da ordem da teorização, ela não é, igualmente, da ordem da prática. Não é da ordem do prático, não é da ordem de uma prática.
O que pode parecer desconcertante, num primeiro momento. Mas, nada mais natural, e espe-cífico ao paradigma fenomenológico existencial, ao paradigma rogeriano.
Certamente que esta característica não estava muito clara nas primeiras fases do modelo rogeria-no, nem na sua teorização. Mas era muito clara nas fases finais, sendo uma característica fundamental do modelo de trabalho com grupos ou do modelo na relação diádica da última fase de Rogers e com-panheiros.
É fundamental assim observarmos que, em se tratando do existencial, do fenomenológico existen-cial, e de uma concepção e metodologia para a psicologia e psicoterapia fenomenológico existenci-al, Rogers cabalmente entendeu que, se, por um lado, a questão não era da esfera do teórico -- já que, como vimos, o fenomenológico existencial é um modo de vivência anterior, e heterogêneo com rela-ção, ao modo teorizante de sermos --, do ponto de vista fenomenológico existencial, igualmente, a questão de sua concepção e método não era a ques-tão de uma prática. Ou seja, não era da esfera do modo prático de sermos.
E isto era e é fundamental, e fundador, em termos do paradigma rogeriano. Na medida em que, como Rogers e a sua tradição entenderam, a e-xistência, o fenomenológico existencial, não são nem da ordem do teórico, nem da ordem do prático, da ordem de uma prática.
São, mais especificamente, da ordem do poié-tico. Não teorético, não prático, em sua vivência, o paradigma rogeriano é eminente e especificamente poiético.
O modo de sermos alternativo a uma teorética não é, necessária e simplesmente, o modo prático de sermos, a prática. Podemos ser, também, e de um modo ontologicamente mais fundamental, de modo fenomenológico existencial poiético. O modo de fe-nomenológico existencial de sermos, no qual, em especial e especificamente, vivenciamos, agencia-mos, potencializamos, e consumamos possibilida-des.
Intuitivamente, isto estava muito claro para Rogers e seus colaboradores, ainda que não tives-sem articulado isto teórica e filosoficamente.
Assim, se, por um lado, a vivência do para-digma rogeriano, seja em grupo ou na relação diádica, não era, e não é, uma vivência de teoriza-ção, uma experiência abstrativa (que abstrai o corpo, o vivido, os sentidos); se não era, e não é, assim, uma experiência teorizante, reflexiva, igualmente, não é uma experiência orientada para a prática, uma experiência de natureza prática. Que, igualmente, se distingue essencial e radicalmente do paradigma fe-nomenológico existencial poiético.
O paradigma rogeriano não é prático, sua vi-vência não é da ordem da prática... Diferente do modo de sermos abstrativo, teorizante, reflexivo; e diferente do modo prático de sermos, a vivência do paradigma rogeriano é, assim, da ordem do feno-menológico existencial poiético: o modo de sermos vivencial (estético) no qual propriamente agencia-mos, potencializamos, atualizamos e consumamos possibilidades.
Assim é que o modo de vivência, caracteristi-camente privilegiado pelo paradigma rogeriano, não se situa no âmbito da prática. Não se caracteriza como prática. E isto é um dos seus aspectos mais pe-culiares e definidores, e um dos aspectos mais pecu-liares e definidores do paradigma da psicologia e psicoterapia fenomenológico existencial.


Coube a Carl Rogers, em particular na última fase de sua obra, a partir de 1974, a radicalização de um paradigma fenomenológico existencial em psi-cologia e psicoterapia. Tendo, em particular, o campo experimental de vivência do modelo feno-menológico existencial de concepção e de facilitação de grupos.
Ainda que explícito (Rogers, Psicoterapia e Relações Humanas), Carl Rogers não fazia grandes definições teóricas, epistemológicas, ou ontológicas, com relação à natureza fenomenológico existencial de sua abordagem.
Isto decorria certamente da postura tradicio-nalmente empirista que ele compartilhava com o meio da cultura, da filosofia e da ciência norte ame-ricanas. A questão qualitativamente crítica, não obstante, é a de que, com a Fenomenologia da tradi-ção de Brentano, à qual ele aderiu, o próprio estatuto do empirismo se transforma. O empirismo que Rogers praticava, especificamente, o empirismo fenomenológico existencial. Enquanto que o empi-rismo que vigorava na cultura norte americana era um empirismo objetivista.
O empirismo é, em essência, uma abordagem da realidade na própria vivência da realidade, sem a mediação da teoria. Radicalmente empirista, nesse sentido, segundo a definição de Brentano, a Feno-menologia se distingue, radicalmente, do empirismo objetivista, comum ao meio da cultura, da filosofia e da ciência norte americanas, de que Rogers compar-tilhava. O empirismo fenomenológico considera e privilegia o modo fenomenológico existencial de sermos que se configura fora do modo de sermos no qual vigora a estrutura da relação sujeito-objeto. E que, evidentemente, não assume, nem poderia uma atitude de privilegiamento do objeto.
Rogers e colaboradores profundamente en-tenderam e praticaram os diferenciais do empirismo especificamente fenomenológico. Ainda que não o te-nham especificamente tematizado teoricamente, era evidente a sua adesão a este. A falta de clareza com relação aos dois tipos de empirismo foi, e é, motivo de vários tipos de confusão.
Decididamente, não obstante, não era um empirismo de tipo objetivista o que praticavam Ro-gers e colaboradores.
Daí ser de grande interesse elucidarmos as características fundamentais do paradigma fenome-nológico existencial, em sua vivência empírica, para compreendermos, vivenciarmos e desdobrarmos o paradigma rogeriano em psicologia e psicoterapia. Em, particular, no que concerne a sua característica fenomenológico existencial poiética. Característica que aparece plenamente no último período da obra de Rogers, em especial na concepção, vivência e me-todologia do trabalho com grupos. Na verdade, aparece em toda a concepção e metodologia da a-bordagem rogeriana, na medida em que o modelo de trabalho com grupos exerce uma influência qua-litativamente decisiva nas reformulações concepção e metodologia do trabalho ao nível das relações diá-dicas, a ponto de John Wood observar que só existia trabalho com grupos na abordagem rogeriana, sen-do, especificamente,.o trabalho diádico um “grupo de duas pessoas”.
Coerentemente, Carl Rogers adentrou, feno-menológico, existencial experimentalmente, a esfera do poiético, como modo privilegiado de vivência e como logos metódico de sua abordagem.
A característica poiética do modo fenomeno-lógico existencial de sermos caracteriza-o como um modo natural e particular de sermos no qual, como vivência fenomenal, se dá a possibilidade, e o seu desdobramento, a sua atualização.
Peculiarmente, dentre outras características, o modo fenomenológico existencial poiético de sermos, que permite a vivência do possível e de sua atuali-zação, dá-se na esfera da ação espontânea; e não na esfera da ação voluntária, deliberada, intencional, que caracteriza o prático.
Ou seja, a ação, ao nível do poiético, da vi-vência da tensão projetativa do possível, e da sua possibilitação, de sua ato-ação, é, especificamente, espontânea, desproposital.
Por outro lado, apesar de ser, assim, o domí-nio por excelência da vivência do possível, e de sua atualização, a própria vivência poiética não é da or-dem dos úteis e da utilidade. De modo que, ainda que todos os úteis e suas utilidades sejam produzi-dos poiéticamente, na vivência poiética, em si, não vigora a utilidade e a utilização, e o valor delas; que são, caracteristicamente da ordem da prática.
Esta distinção entre teórico, prático e poiético já está presente em Aristóteles, em sua distinção das três áreas de ciência.
O termo poiese consagrou-se na Fisiologia e na Medicina, e na Ontologia, quando falamos, por e-xemplo, em Fisiologia, da hematopoiese, designando o processo através do qual, nas células da medula dos ossos largos do corpo, as células do sangue são geradas, criadas, produzidas. Poiese tem, assim, este sentido, de geração, de engendramento, de produ-ção.
Em Ontologia podemos falar de ontopoiese. Como o processo no qual, através do desdobramen-to vivencial do possível, engendramos o próprio ser-no-mundo. O poiético refere-se assim a este modo vivencial de sermos no qual o possível é possível, e se atualiza, no engendramento de nosso ser-no-mundo, que é criação e recriação, e resolução exis-tenciais.
Carl Rogers concentrou-se, progressivamente, na definição, e na criação, das condições para a vi-vência fenomenológico existencial poiética, no encontro diádico e no encontro grupal.
No desenvolvimento experimental de seu pa-radigma de trabalho com grupos, estas características vão sendo progressivamente radicali-zadas, até a constituição, em seu paradigma metodológico, de um privilégio soberano da vivên-cia inter humana fenomenológico existencial espontânea e -- fenomenológico existencial -- expe-rimental, poiética, como elemento central. Ao mesmo tempo em que ele experimenta e busca defi-nir as condições metodológicas de propiciamento desta vivência no âmbito do processo grupal.
Como Vera Cury apontou, as aprendizagens com a experimentação no desenvolvimento do pa-radigma de trabalho grupal vai ter uma marcante influência na reelaboração do modelo de trabalho inter individual.

É importante observar que estas característi-cas do paradigma rogeriano não negam a existência e a importância da própria da esfera da prática e do prático, em sua dimensão própria. A importância do modo prático de ser. Apenas não generalizam nem supervalorizam o valor do prático na condição do humano. Não o elegem a condição de critério. En-tendem o modo fenomenológico existencial humano como nosso modo especificamente ontológico de sermos, o modo especificamente existencial, no qual se dão a existência e o processo de sua resolução; o possível, a possibilidade, e a sua atualização.
Mais que isto, o paradigma fenomenológico existencial assume a perspectiva de que, ainda que não sendo da ordem da prática, é ao nível de sua vi-vência fenomenológico existencial poiética, dialógica, que constituímos a nós mesmos, e ao mundo que nos diz respeito, aos úteis e a suas utili-dades, como atualização de possibilidades, como resolução existencial. Ou seja a esfera da prática, de sua vitalização e revitalização, de sua criação e re-criação, depende fundamentalmente da criatividade vivencial do fenomenológico existencial poiético.
De modo que podemos pensar numa eficácia criativa, numa pragmática, deste modo não pragmá-tico e fenomenológico existencial poiético de sermos.



B. Do Pradigma Teorético

Era eu o poeta estimulado pela filosofia, não o filósofo interessado pela poesia.
F. Pessoa.

É muito importante atentar para o fato de que não se trata, no paradigma dialógico, fenomenológi-co existencial poiético, empiricamente fenomenal, de um desapreço pela teoria, pela teorização, e pelo modo teorizante e teorético de ser.
Empirista, significa que o modo de ser privi-legiado pelo paradigma fenomenológico existencial será sempre não teorizante em sua vivência.
Mas, ainda que o momento de sua vivência seja, especificamente, assim, não teorizante, e privi-legiativo do modo de sermos da vivência pré reflexiva, pré-teorizante, pré-conceitual, a perspecti-va fenomenológico existencial não desqualifica a importância do teórico e da teorização, em seu mo-mento próprio.
Apenas busca colocar as coisas em seus devi-dos lugares: a vivência fenomenal é ontologicamente prioritária, na medida em que es-pecificamente ontológica. Ou seja, o nosso modo próprio de ser em que se constitui o logos, o sentido, a emergência fenomenal do sentido, que caracteriza o humano, como vivência do possível e vivência de sua atualização. Modo poiético sermos de geração de nosso ser-no-mundo.
O teórico tem a sua diferença e importância próprias, na perspectiva do paradigma fenomenoló-gico -- ainda que este seja especificamente empirista, não teorizante, em sua vivência. Mas o momento da teoria e da teorização, anteriormente ou posterior-mente ao momento da vivência fenomenal, tem uma importância própria, e valorizada em suas caracte-rísticas e poderes próprios. O fenomenologista valoriza a boa teoria e a boa teorização, e está moti-vado para estudar toda a teoria efetivamente interessante sobre seus objetos de interesse. Ciente sempre de que o momento hierarquicamente supe-rior é o momento não teorizante, empírico, da vivência fenomenal, dialógica e poiética.
Assim é que o empirismo fenomenológico convive de um modo produtivo, sinérgico, com a teoria e com a teorização interessantes.
Isto é diferente da postura anti-teórica, e anti-teorizante, do empirismo objetivista, radicalmente avesso à teoria e a teorização.
Cabe, portanto, uma atenção cuidadosa na distinção, neste sentido, e no sentido de suas peculi-aridades e diferenças, entre o empirismo fenomenológico (que se situa e privilegia um modo de vivência que está fora do modo de ser da relação sujeito objeto; e, muito mais, fora de um modo de ser que, no âmbito da relação sujeito objeto, privile-gia o pólo objeto desta relação), e o empirismo objetivista. Empirismo objetivista que não só privi-legia o modo de sermos da relação sujeito-objeto, como privilegia o pólo objeto desta relação, e a sua descrição, supostamente objetiva. Ao tempo em que rejeita e afasta-se. de qualquer forma de teoria ou de teorização.
O que não podemos prescindir, é de que, fe-nomenológico existencial empirista, ainda que conviva com o interesse da teoria e da teorização, fora de seus momentos específicos, o momento da vivência fenomenológico existencial não é teorizan-te. Sua característica é a de privilegiar no momento de sua vivência o modo de sermos da “consciência” não teorizante, não reflexiva, não conceitual, pré-conceitual, pré-reflexiva, pré-teorizante.

O modo teorético de sermos caracteriza-se pe-la representação, ou seja a re-apresentação, de algo que se apresenta enquanto vivência fenomenal. E que, na representação, demanda, própria e especifi-camente, o afastamento deste modo de ser da vivência fenomenal. No seu sentido mais essencial teoria significa visão de um espetáculo .
Desta forma, a teoria e a teorização constitu-em-se, especificamente, como afastamento do modo de ser da vivência, e articula relações explicativas de natureza objetiva.

Alguns elementos, assim, caracterizam o mo-do teorético de sermos. Dentre eles:

1. O fato de que, especificamente, o modo teorizan-te de sermos se configura como um afastamento para com o modo de ser encarnado do vivido fe-nomenológico existencial, dialógico e poiético.
O modo teorético de sermos é um modo de ser abstrativo, contemplativo. No qual o vivido, o corpo e os sentidos, ou seja, o especificamente fenomenológico e existencial – e, vale dizer, o especificamente poiético --, estão especificamen-te abstraídos, em privilégio do abstrato do conceito, e do teórico.
Desnecessário mencionar que o modo de ser fe-nomenológico existencial é especificamente encarnado, pontual e momentaneamente vivido, na vivência imediata de corpo e sentidos. Intui-tivo, no sentido fenomenológico existencial, não comporta, na pontualidade de sua vivência, pró-pria a abstração, a mediação conceitual.
2. Uma distinção essencial e definidora é a de que o modo teorético de sermos funda-se na explica-ção.
O vivido fenomenológico existencial configura-se como, e especificamente é, compreensão.
O vivido fenomenológico existencial constitui-se, em especial, como vivência compreensiva, e desdobramento de possibilidade. Desdobramen-to este que se constitui como a interpretação, interpretação num sentido especificamente feno-menológico existencial. O que o constitui como um modo poiético de sermos.
3. O modo teorético de sermos vigora como articu-lação de relações explicativas de causa e efeito. Enquanto que o modo de ser fenomenológico e-xistencial, além de dar-se, primária e originariamente, como vivência compreensiva, dá-se como vivência pré-compreensiva de possibili-dade, como desdobramento, compreensão e consumação de possibilidade. Processo do qual se exclui não só o modo de ser da explicação, como a articulação explicativa de causas e efei-tos.
4. O modo de ser teorético se constitui na experien-ciação da dicotomização sujeito-objeto. Enquanto que o modo de ser fenomenológico existencial dialógico e poiético, ser-no-mundo, não compor-ta esta dicotomização sujeito-objeto, ainda que se constitua, na sua momentaneidade, na tensão do âmbito dialógico da relação eu-tu. (BUBER,)


C. O prático e o pragmático;

A partir desta constatação de que o modelo fenomenológico existencial rogeriano não é da or-dem da prática, da mesma forma que não é da ordem do teorético, é interessante observar e com-preender algumas características que constituem o paradigma da prática, o prático. Compreender as características fundamentais do paradigma teoréti-co. E as características, e diferenciais, com relação a estes dois, do paradigma fenomenológico existenci-al, dialógico e poiético.

Algumas características sobressaem no para-digma prático:
1. O valor prioritário do útil e da utilidade;
2. O valor da utilidade, segundo o princípio de sobrevivência;
3. O prático, a prática, tem com referência o valor da utilidade em termos de adapta-ção e do princípio de sobrevivência;
4. A prática caracteriza-se pela ação voluntá-ria deliberada.
5. A prática se dá no âmbito do modo de sermos da relação sujeito-objeto.
6. A prática se dá no âmbito do modo de sermos das relações de causa e efeito.

A prática exige o caráter voluntário e deliberado da “ação”. E o critério de sua avaliação é o da utili-dade. Em particular, da utilidade para a adaptação e para a sobrevivência. Uma característica fundamen-tal do paradigma fenomenológico existencial rogeriano é a da entrega à espontaneidade, a entre-ga à ação espontânea do vivido; ou seja, a entrega à espontaneidade generativa (poiética) do vivido, com sua característica espontaneidade desproposital de vivência do desdobramento da força do possível, e da performação de sua atualização. De modo que no modo privilegiado por sua vivência, o que vigora é o modo de ser da ação espontânea, e não o modo de ser da ação voluntária e intencional.
Na vivência existencial, não vigoram a utili-dade e a utilização, características da esfera da prática. E a prioridade de sua força consuma-se na superação, e não, simplesmente, no primado da so-brevivência, da manutenção e da adaptação.
As características do vivencial fenomenológi-co existencial, privilegiado pelo paradigma rogeriano, não se enquadram portanto no âmbito do prático, e da prática. Mas, especificamente, no âmbito do poiético.

O prático tem sempre o sentido de uma ativi-dade voluntária que modifica o ambiente, tendo como critério o primado da utilidade, em particular a uti-lidade para a sobrevivência. Na esfera do modo prático de ser vigoram os úteis e as utilidades; e a efe-tividade da causalidade e dos meios e dos fins.


D. O fenomenológico existencial poié-tico.

Sumariando características do nosso modo fenomenológico existencial poiético e dialógico de sermos, cabe dizer, em primeiro lugar, que é este o nosso modo onto-lógico de sermos, para uma pers-pectiva fenomenológico existencial.
Em essência (que é existência), somos sentido (logos), e ação. Ontologicamente somos logos (senti-do); ontologicamente somos onto-lógicos. Sentido e ação, como atualização sentida, que se dá na vivên-cia do possível, que é própria ao modo fenomenológico existencial dialógico e poiético de sermos.
O sentido, o logos, que continuamente nos constitui, se nos dá como pré-compreensão da força de possibilidade, como compreensão, e desdobra-mento desta força (interpretação fenomenológico existencial) em criação; ação propriamente dita.
Este modo de sermos é um modo que, ainda que comporte a dualização eu-tu, não comporta a dicotomização sujeito- objeto, própria de nosso mo-do acontecido, realizado, ôntico, de sermos (Buber,).
Neste modo de sermos, a causalidade não vi-gora. Ele é imediatamente vivido e vivência. Presença que se desdobra, diria Buber.
Imediato, não comporta a mediação dos mei-os e dos fins. Seja dos meios e dos fins teóricos, seja a dos meios e dos fins práticos. Ao mesmo tempo, que nada tem do automatismo comportamental.
O modo fenomenológico existencial, enquan-to modo de incontornável atualização de possibilidade, é especificamente o modo de dar-se da ação. Mas em seu âmbito, a ação como atualiza-ção de força de possibilidade, em sua incerteza, tentatividade, e riscos próprios (experimentação), não é, especificamente, a ação voluntária, deliberada e intencional, característica da prática. A ação, no âmbito da vivência fenomenológico existencial, é, especifica e propriamente, a ação espontânea e expe-rimental (no sentido fenomenológico existencial). Ou seja a ação propriamente desproposital, tendencial-mente desmotivada, ainda que intensamente estésica e estética, .atualizante de possibilidades, criativa.
A ação assim vivida é eminentemente incon-veniente. Ou seja, no sentido de que não tem “convênio”, não tem contrato, com o real, com a rea-lidade e com acontecido. Ela não serve à adaptação, à conservação, à sobrevivência, uma vez que, em sua inconveniência, ela é a própria força da superação e de reordenamento.
Assim, enquanto a prática, por exemplo, está fortemente fundada na utilidade, pautada pelo valor desta para a adaptação e sobrevivência, o fenomeno-lógico existencial poiético atualiza sempre a superação daquilo que a prática busca conservar.


E. Conclusão.

Caracteristicamente, pois, o paradigma roge-riano não se define na esfera teórica, nem na esfera da prática. Ou seja, em sua essência não se trata do investimento em uma atividade de teorização, por parte do cliente ou do terapeuta, do facilitador; de um empreendimento em que o teórico e a teorização sejam relevantes. Da mesma forma, não se trata de uma atividade prática. Ou seja, naquilo que lhe é mais essencial, o paradigma rogeriano em sua vi-vência não guarda o caráter de valorização do modo de sermos que permite útil e da utilidade, ou o cará-ter de ação voluntária que caracterizam a prática. Muito menos está orientado pelos princípios da a-daptação, e da sobrevivência.
O modo de vivência fenomenal que lhe é próprio, não se dá no eixo da relação de causa e efei-to, nem no âmbito da realidade da dicotomia sujeito-objeto.
O que lhe interessa é a espontaneidade gene-rativa do modo de sermos da vivência do possível, e de sua possibilitação, como superação. Que não é da esfera do modo de sermos que é caracteristicamente da ordem da prática.
A vivência fenomenológico existencial não é da ordem das relações sujeito-objeto, ou da ordem das relações de causa e efeito; não é da ordem do ú-til e da utilidade, e, ainda que de âmbito eminentemente ativo, a ação em seu âmbito é da or-dem da ação espontânea, caracteristicamente desproposital.
Em sua atividade, o paradigma rogeriano centra-se, assim, não na contemplação do espetáculo do possível acontecido, objetificado na abstração da vivência física de sua atualização. Nem num esforço e desempenho práticos.
Centra-se, sim, na própria vivência não dico-tômica (dicotomia sujeito-objeto) e integrada; vivência que não se situa no âmbito da causalidade das causas e dos efeitos, dos fins e dos meios (Bu-ber); vivência que se centra na performação, do possível e de sua possibilitação, em per-feito; de sua atualização -- como atualização meramente compre-ensiva, ou como atualização objetivativa.
É a vivência empática, (em)patética, da ação -- como vivência do possível, e de sua atualização -- que caracteriza o paradigma rogeriano. Vivência, portanto, que não é nem da ordem do teórico, nem da ordem do prático. Especificamente vivencial, e poiética. Situando-se fora das pretensões, dos pré requisitos, da teorização, e da prática.
Longe de dizermos, não obstante, que este paradigma não tem uma eficácia específica. O que enfatizamos é que a sua eficácia é mais básica, mais radical, e abrangente, do que a eficácia do teórico, do que a eficácia do prático, e do que a eficácia do comportamental, ao nível do existencial. Ou seja: ao nível da constituição, do próprio engendramento, do sujeito, e do mundo. Engendramentos poiéticos, como vividas atualizações despropositativas de pos-sibilidades. Diferente-mente da prática, ou mesmo de qualquer pragmática da “ação” voluntária, e do princípio de sobrevivência como prioridade criteri-al.
O âmbito do vivencial é, especificamente, o âmbito propriamente da ação. Ação que engendra o possível, o novo, e cria. Diferentemente da teoriza-ção, da prática, ou do comportamental.
Com isto, mesmo que a teorização rogeriana discrepe, eventualmente, com relação a um para-digma fenomenológico existencial -– em particular com relação a uma concepção biologizante da ten-dência atualizante, e em termos de uma concepção pobremente fenomenológica de compreensão -–, a vi-vência experimental de Rogers evolui a passos largos, e firmes, no sentido de uma metodologia empírica e experimental de uma abordagem feno-menológico existencial de psicoterapia e de psicologia.
E, diga-se de passagem, exceção feita a Fritz Perls, ninguém foi fenomenológico existencial expe-rimentalmente tão longe, quantitativa e qualitativamente, quanto Rogers, neste sentido.