domingo, 9 de agosto de 2009

2. Carl Rogers. Sobre o sentido da concepção e do logos metódico de seu paradigma em psicologia e psicoterapia II

Na medida em que consideramos a dimensão existencial humana, as suas crises e questões, e as suas resoluções, necessariamente especificamente existenciais, compreendemos que a concepção e a metodologia de Rogers são muito sensíveis e refina-das. Não podemos nos iludir com o seu despojamento. Sobretudo, apesar de simples o seu método, não podemos cair no equívoco de confun-dir o simples com o simplório. A confusão do simples com o simplório se tornou às vezes quase que epidêmica entre os “centrados”.
Isto porque, freqüentemente, as fontes da concepção e método, e a própria concepção e méto-do, de Rogers foram mal compreendidos, ou mesmo desconhecidos. E sua abordagem freqüentemente entendida, ironicamente, como o modelo pronto do objetivismo, ou da pragmática, de uma certa tecno-logia da compreensão, adoçada de fragmentos açucarados da retórica de uma imprecisa ideologia dita “humanista”.
Como estamos comentando, o despojamento da abordagem de Rogers atualiza um desinvesti-mento de posturas, de concepções, de métodos, de epistemologias, de ontologias, incompatíveis com o privilegiamento da dimensão do existencial, com o privilegiamento da dialógica fenomenológico exis-tencial do interhumano; incompatíveis com a sua empatética. Foram-se, então, na vivência do logos metódico do paradigma rogeriano, como observa-mos, os procedimentos técnicos, as pretensões científicas, o moralismo, o pragmatismo, as reflexões teóricas, a teoria e teorização, e mesmo as condições definidoras específicas de uma prática.
Cascavilhando experimentalmente, Rogers buscou as condições que pudessem garantir o veio rico do privilegiamento da dialógica do interhuma-no, como concepção e como logos metódico de sua abordagem de psicologia e de psicoterapia.
Primeiro a não diretividade, um dos pilares clássicos de seu paradigma, que marca o seu afas-tamento do paradigma moralista.
A não diretividade é enriquecida pelas condi-ções terapêuticas da compreensão empática, da consideração positiva incondicional e da genuinida-de do terapeuta, na relação com o cliente. O privilégio da “experienciação”. A empatética -- patéti-ca, peripatética -- do privilegiamento dos momentos próprios de vivência (páthica) dos desdobramentos da dialógica do interhumano.
De fato, Carl Rogers efetivamente experimen-tava, em um processo vigoroso, os fundamentos da concepção e método de uma psicoterapia, e de uma psicologia, fenomenológico existencial. Paradoxal-mente, o seu despojamento representava, na verdade, uma apuração experimental, cada vez mais refinada, de condições fenomenológico existenciais de concepção e de método de psicologia e de psico-terapia.

A psicologia e psicoterapia fenomenológico existencial se afirma e se desdobra, no âmbito da cultura brasileira, e mundial, como um interessante recurso de assistência e trabalho psicológico e psico-terápico, e de produção cultural. Quer seja ao nível da psicoterapia, e nas áreas do seu desenvolvimento e diferenciação; quer seja ao nível do trabalho nas várias áreas da psicologia, que se diversificam cada vez mais, e, cada vez mais, ganham em importância. Como, por, exemplo, no trabalho de desenvolvi-mento comunitário, na empresa, na psicologia jurídica, no atendimento psicológico hospitalar, na mediação e resolução de conflitos, entre outras...
No que podemos entender como Psicologia e Psicoterapia Fenomenológico existencial -- efetiva-mente emergente, assim, e florescente em nossos dias, com ricas e importantes possibilidades de frui-ção e de aplicação --, o trabalho de Carl R Rogers tem um papel inegável, fundamental, e fundador.
Muito importante, pois, atentar para isso, uma vez que é seminal e essencial a relação das con-cepções e método de Carl Rogers com surgimento, desenvolvimento e consolidação de uma concepção e metodologia de psicologia e psicoterapia fenome-nológico existenciais. Coisa efetivamente rara.
Não podemos, naturalmente, deixar de aten-tar para a importância do trabalho pioneiro de um L. Binswanger, ou de um M. Boss. E, a seguir, o tra-balho de um A. Maslow, e de um R. May, no desenvolvimento desta perspectiva em psicologia e psicoterapia, inclusive no próprio desenvolvimento e formação de Carl Rogers. Mas coube a Rogers e a F. Perls o momento da experimentação e caracteri-zação da vivência de metodologias fidedignamente fenomenológico existenciais. E, neste sentido, empí-ricas, experimentais, performáticas, e poiético-hermenêuticas.
Durante um certo momento, a teorização de Rogers, como não poderia deixar de ser, atrelou-se aos vieses das psicologias científicas e das psicote-rapias vigentes no meio cultural norte americano e europeu. Desde muito cedo, não obstante, é nítido o movimento de diferenciação do modelo rogeriano com relação ao hegemônico paradigma do empiris-mo objetivista vigente nos EUA. Creio que, teoricamente, apesar de algumas idas e vindas, Ro-gers evolui para uma crise conceitual. Crise esta que morre na formulação de condições hermenêuticas do empirismo especificamente fenomenológico existencial e poiético-hermenêutico. Que se configurava como ca-racterística forte da vivência de seu método, em particular da sua última fase.
Creio que, de um modo importante, o traba-lho de Rogers, a partir de um certo momento, e em significativas dimensões, deixa de receber simples-mente os influxos da Fenomenologia, do Existencialismo, da psicologia fenomenológico exis-tencial existente, e passa a contribuir, de um modo significativo, com a constituição e desenvolvimento destes.
Em particular, como é notório, e característi-co, a sua abordagem foi assumindo um verdadeiro e corajoso strip tease fenomenativo existencial da teoria, da prática teorizante e conceitual -- algo muito pou-co visto --, e centrando-se de modo cada vez mais empírico e experimental (num sentido fenomenoló-gico e existencial) no que podemos entender como o provimento empírico e experimental, por parte do te-rapeuta, do psicólogo, do facilitador, do pedagogo, de condições hermenêuticas experimentais, fenomenoló-gico existenciais, para que o cliente, o educando, o grupo, o participante do grupo, pudessem efetiva-mente interpretar – num sentido fenomenológico existencial, especificamente -–, a sua vivência, as su-as questões existenciais, as suas possibilidades de ser, as suas possibilitações, e resoluções.
Como observamos, não é só da teorização e da conceituação que Rogers vai, fenomenológico e-xistencial, experimentalmente, abrindo mão, em sua concepção e método. Fenomenológico existencial, e experimentalmente, Rogers vai superando, progres-siva e sucessivamente, em sua experimentação, o paradigma reflexivo em psicologia e psicoterapia, o paradigma técnico, o paradigma comportamental; vai superando, igual e sucessivamente, o paradigma científico, o paradigma moralista, o paradigma prá-tico e pragmático. Em privilégio de um paradigma fenomenológico existencial, de cuja elaboração (e, aí, entender o sentido essencial desta palavra) ele con-tribui decisiva e seminalmente. Um paradigma que podemos dizer fenomenológico existencial experi-mental, fenomenológico existencial empírico, dialógico, fenomenológico existencial poiético, her-menêutico.
A importância das elaborações de Rogers se dão, principalmente e em especial, não ao nível de sua teorização, mas, como seria de se esperar em uma abordagem empírica (não teorética), fenomeno-lógico existencial. Ao nível de sua resoluta experimentação fenomenológico existencial de con-cepções e condições de método.
Assim, não se pode apreender o modelo ro-geriano meramente a partir da sua teorização, ou mesmo da sua escrita ensaística. Fenomenológico existencial empirista, no melhor sentido da tradição de Brentano, é no desenvolvimento de sua de sua metodologia que reside a sua especificidade, e a sua riqueza.
Na realidade, juntamente com Fritz Perls, Carl Rogers foi, progressivamente, assumindo um inquestionável papel de liderança no desenvolvi-mento formulação da psicologia e da psicoterapia fenomenológico existencial.
Pouca gente foi tão longe, e, em particular, tão fidedignamente, quanto Carl Rogers, neste sen-tido.

Cremos que a história conceitual e metodoló-gica da Psicologia Fenomenológico Existencial centra-se e centrar-se-á, cada vez mais, no provi-mento -- no âmbito da relação psicológica e psicote-rapêutica -- de condições hermenêuticas para o processo hermenêutico da interpretação fenomenológico existencial, empírica e experimental, por parte do clien-te. Interpretação da força -- da posse -- do possível, constituído como vivido; e em sua ato ação. Num certo sentido, junto com Perls – este com um outro estilo, com uma outra história, com outros pré-textos e textos mais ou menos teóricos --, fortemente bafejados, neste sentido, por Buber, e por Nietzsche, Rogers parece ser um dos propositores maiores des-tas condições, em psicologia e psicoterapia.
De modo que Carl Rogers, e Fritz Perls têm, assim, efetivamente, um lugar bastante diferenciado na gênese, constituição e desdobramentos das con-cepções e métodos das Psicologias e Psicoterapias Fenomenológico existenciais, que emergem e flores-cem em nossos dias, pejadas de interessantes e ricas possibilidades.
É importante que se distinga claramente esta contribuição, uma vez que, freqüentemente, ela não é notada, ou considerada, ou é meramente incom-preendida. Há quem queira diminuí-los... Mas olhando bem, não é pouco, em especial em termos qualitativos, o que eles conseguiram...
Por outro lado, não é raro que se fale de um modo retórico em psicologia e psicoterapia fenome-nológico existencial, já que ela está em moda, e pode até ser chique, sem nenhuma referência a concepção ou método específicos, e sem referência , ou até ne-gando-se, as importantes e qualitativas contribuições de Rogers e de Perls neste sentido es-pecífico. Quando os métodos de Rogers e de Perls, amplamente aplicados, apesar de suas limitações, em particular conceituais, coadunam-se e contribu-em, diferenciada e significativamente, com o caráter fenomenológico e existencial, em particular com a perspectiva de um empirismo aporético e experi-mental, da metodologia em psicologia e psicoterapia.