domingo, 9 de agosto de 2009

CARL ROGERS. SOBRE O SEU PARADIGMA FENOMENOLÓGICO EXISTENCIAL EM PSICOLOGIA E PSICOTERAPIA

Coleção beija flor:
Fonseca, A. H. L.

• Psicoterapia e Produção Cultural.

• Psicologia Humanista e Pedagogia do Oprimido. Um Diálogo Possível?

• Apontamentos para uma História da Psi-cologia e Psicoterapia Fenomenológico Existencial

• Carl Rogers. Sobre o seu paradigma fe-nomenológico existencial em psicologia e psicoterapia.

• Gestalt Terapia. Teoria Mínima.





Afonso H Lisboa da Fonseca, 1954 -
Carl Rogers. Sobre o seu Paradigma
em Psicologia e Psicoterapia -- Maceió: Pedang, 2006
ISBN



Afonso H Lisboa da Fonseca.





CARL ROGERS

SOBRE O SEU PARADIGMA FENOMENO-LÓGICO EXISTENCIAL EM PSICOLOGIA E PSICOTERAPIA





Pedang

Programa de Publicação
do Laboratório Experimental
de Psicologia e Psicoterapia
Fenomenológico Existencial
Maceió – AL, Brasil.

2006.

© 2006 Afonso H Lisboa da Fonseca
Carl Rogers. Sobre o seu paradigma em psicologia e psicoterapia.











PEDANG.
Programa de publicação
do Laboratório Experimental
de Psicologia e Psicoterapia
Fenomenológico Existencial.
Rua Visconde de Irajá, 60/105. Pajuçara.
57030-150 Maceió AL.
affons@uol.com.br
http://www.geocities.com/eksistencia/
ISBN

Brasil


2006.




A John Wood,
Amigo querido, bem humorado, despre-tensioso e lúcido mestre.

PREFÁCIO

O paradigma desenvolvido por Carl Rogers contribui de um modo rico e singular com a concep-ção e método do trabalho em psicologia e psicoterapia.
Carl Rogers desenvolveu, de um modo ousa-damente experimental, um modelo finamente fenomenológico existencial para a vivência psicoló-gica e psicoterápica. No burburinho de história social, científica, epistemológica, de Ontologias em que emerge a sua abordagem, uma série de fatores dificultam uma adequada compreensão de seu mo-delo. Levando a distorções, ou a vulgarizações empobrecedoras.
Dentre estes fatores, a própria precariedade, freqüentemente, da explicitação das bases fenome-nológico existenciais do modelo, precariedade da explicitação do nexo fenomenológico existencial de suas concepções e metodologia, e mesmo os natu-rais equívocos, que a história vai revelando. Junte-se a isto o pouco conhecimento da Fenomenologia e de sua história, o pouco conhecimento da filosofia da vi-da de Nietzsche e de Dilthey, o pouco conhecimento dos esclarecimentos de Buber, no meio da psicologia e da psicoterapia.
Estamos, agora, a superar essas limitações Conhecemos cada vez mais sobre cada uma dessas importantes contribuições que contextualizaram o desenvolvimento do paradigma rogeriano.
Nessas condições ressalta a importância, a singularidade, a lógica do paradigma rogeriano.
De modo que podemos apreciar a riqueza de sua aplicação como concepção e método de trabalho psicológico e psicoterápico, nas várias áreas de apli-cação da psicologia e da psicoterapia. Ao tempo em que podemos apreciar como o paradigma rogeriano contribui, de um modo marcante, para a elucidação, e para a constituição, do sentido conceitual e meto-dológico específico deste trabalho.
O presente livro tematiza os fundamentos e nexos fenomenológico existenciais do paradigma rogeriano. Os dois primeiros capítulos discutem o paradigma rogeriano da perspectiva da Fenomeno-logia e do Existencialismo; o terceiro capítulo ressalta a característica de vivência fenomenal – pá-tica – como modo privilegiado de ser no âmbito da vivência da metodologia de Carl Rogers; o quarto capítulo discute o caráter não teorético e igualmente não prático do modo de vivência do paradigma ro-geriano; o capítulo cinco discute características fundamentais das psicologias e psicoterapias feno-menológico existenciais; e o capítulo seis discute algumas questões da concepção rogeriana que po-dem ser melhor enfocadas de um ponto de vista fe-nomenológico existencial.


Enseada de Jatiúca, Maceió, Abril 2006.

SUMÁRIO

PREFÁCIO X
SUMÁRIO XIV
INTRODUÇÃO XVI
1. Carl Rogers. Sobre o sentido da concepção e do logos metódico de seu paradigma em psicologia e psicoterapia I 20
2. Carl Rogers. Sobre o sentido da concepção e do logos metódico de seu paradigma em psicologia e psicoterapia II 38
3. Carl Rogers, o patético. Empatético, peripatético. 48
4. Nem Teorético, nem Prático. Muito menos Pragmático O Paradigma Rogeriano. Fenomenológico Existencial: Poiético. 62
A. O paradigma rogeriano, nem teorético, nem prático; nem pragmático. Fenomenológico existencial dialógico e poiético. 64
B. Do Pradigma Teorético 74
C. O prático e o pragmático; 79
D. O fenomenológico existencial poiético. 81
E. Conclusão. 83
5. A particularidade da psicologia e psicoterapia fenomenológico existencial 88
a. Ontologia 92
b. Epistemologia 94
c. Expressionismo 97
d. Existencialismo 101
e. Concepção da abordagem 107
f. Metodologia 108
6. Algumas questões 124
7. Concluindo. 130

INTRODUÇÃO

Carl Rogers marcou um lugar fundamental na psicologia e na psicoterapia. A novidade de seu paradigma, no âmbito de uma psicologia e de uma psicoterapia fortemente psicanalíticas, ou compor-tamentais --, na América do Norte, e por todo o mundo –, fez com que o paradigma de Carl Rogers tivesse forte a marca de sua personalidade. Às vezes até, de um modo exagerado e reificadamente perso-nalista.
O que não se pode negar é a forte marca pes-soal de Rogers, de sua inventividade, e em particular de sua ousadia, e incansável e obstinada disposição experimental na elaboração de seu para-digma.
À medida que o tempo passa, em particular, empobrece-se a sua concepção e método, se nos res-tringimos ao personalismo, e reificamos personalisticamente a sua abordagem, sua concep-ção e método. Isto porque, para além de sua pessoa, a sua contribuição teórica e experimental configura de um modo muito fundamental, e importante, todo o campo de concepção e método, da psicologia e psicoterapia fenomenológico existencial.
Este campo -- que tem cada vez mais um irre-cusável e importante lugar no âmbito da concepção e método da psicologia e da psicoterapia – tem os seus primórdios no pioneirismo de um Ludwig Binswanger, e de um Medard Boss. Demasiadamen-te tímidos ainda, em termos de concepções e posturas radicalmente fenomenológicas, empirica-mente fenomenológicas, e fenomenologicamente experimentais.
É, podemos dizer assim, depois que a Feno-menologia e o Existencialismo, como propostas de psicologia e de psicoterapia, migram para os Esta-dos Unidos, com a decidida mediação de Abrahan Maslow e de Rollo May, que elas começam a se con-figurar na concepção e método de um paradigma radicalmente fenomenológico existencial, empírico e experimental de psicologia e de psicoterapia.
Com outra história, outros pré-textos, um ou-tro dos passageiros fundamentais da constituição deste modelo é F. S. Perls, com sua ousada, fenome-nológico existencial, empírica e experimental, Gestalt Terapia.
Desde cedo, a inspiração fenomenológico e-xistencial calou fundo em Rogers.
Em particular no meio da cultura da psicolo-gia e da psicoterapia norte americanas, não havia muita clareza quanto ao caráter empírico da Fenome-nologia que Brentano recuperava de Aristóteles. Muito menos da radicalidade da experimentação perspectivativa de Nietzsche, que o Expressionismo europeu decididamente incorporara, marcando pro-fundamente, dentre outros, a Gestalt Terapia.
Mas Rogers intuiu o sentido das fontes. Bafe-jado por Otto Rank nietzscheano, por Buber, e por toda a corrente fenomenológico existencial da épo-ca, Rogers lançou-se à experimentação de sua abordagem não diretiva, centrada no cliente, na pessoa, experiencial; desaguando num modelo de concepção e método de trabalho de grupo, e no modelo de psi-coterapia individual, radicalmente empíricos fenomenológico existencialmente, e, especificamen-te, experimentais, no sentido fenomenológico existencial.
Rogers tinha a obstinação de quem sabia por onde, e para onde, andava, na direção de um para-digma desprovido, em sua vivência, de fundamentos científicos, de atividade ou interesse teoréticos, de metodologias tecnológicas, das forças do moralismo, e das demandas utilitárias e pragma-tistas da prática. Um paradigma que se dispunha a propiciar as condições para a fluência da dimensão poiética da condição humana, no grupo e na relação inter individual, visceralmente aderido à vivência da atualização inter ativa, empatética, peripatética, da potência do possível. Obstinadamente empírico num sentido fenomenológico existencial, e, igual-mente, experimental.
Rogers não chega a teorizar cabalmente este caráter fenomenológico existencial de seu modelo. Na verdade lançou mão de concepções que nem sempre podem ser entendidas como fenomenológi-co existenciais. Mas experimentou profusamente a perspectiva de um paradigma fenomenológico exis-tencial empírico e experimental. Como ninguém o fez. Com a exceção de Fritz Perls. Um destacado companheiro na empreitada, cheia de alegria, inten-sidades, pessoas e realizações.

1. Carl Rogers. Sobre o sentido da concepção e do logos metódico de seu paradigma em psi-cologia e psicoterapia I

1.
Carl Rogers. Sobre o sentido da concepção e do logos metódico de seu paradigma em psi-cologia e psicoterapia I


O Carl Rogers que encontramos na culminân-cia de sua obra, e de sua vida, era, de um modo evidente, superlativamente despojado, e despreten-sioso.
De várias formas. E aqui nos interessa sobre-tudo no que concerne a sua atividade profissional, a suas concepções e método, e ao sentido ensaístico de sua produção escrita.
Carl Rogers era, então, o empirista fenomeno-lógico existencial por excelência; na tradição de Brentano. Fenomenológico existencial, dialógico (Buber), na tradição de Brentano. Mesmo que se pu-desse observar a prevalência de toda uma teorização, metafísica, e mesmo retórica, da tendên-cia atualizante, Carl Rogers já tinha ido, experimentalmente, além; no sentido do logos me-tódico de um empirismo humanista*, fenemenológico existencial, dialógico, em psicologia e psicoterapia, no âmbito das relações humanas.
Desinvestido de qualquer pressuposto de condição e desempenho técnicos, na sua atuação. Desti-tuído de aspirações científicas tradicionais. Ou de veleidades práticas, e pragmáticas. Destituído da crença na efetividade do teórico e da teorização, e do moralismo, em particular, ao nível do existencial.
Sua produção escrita, igualmente, perdera, cada vez mais, as veleidades especificamente teori-zantes, explicativas, ou científicas. E, cada vez mais, se configurava como ensaística, brotando natural-mente da experiência existencial, e vivência fenomenológico existencial, empírica, e experimen-tal de seu trabalho.
Como meio e como via, como jeito de ser, do psicólogo e do psicoterapeuta, do educador, da pes-soa -- em processos de co-laboração na potencialização de metamorfoses, e de estilos exis-tenciais de vida --, o sentido do logos metódico de Rogers radicalizou-se, progressiva, e firmemente, numa postura de abertura para, de privilegiamento, e de afirmação experimental, dos momentos de dia-lógica interhumana (Buber).
O sentido do logos metódico de Rogers radi-calizou-se numa postura de afirmação experimental da concrescência fenomenológico existencial da existên-cia, na pontualidade de seus desdobramentos. Consistentemente arraigado em pré condições de respeito radical -- pessoal e metodológico -- pela al-teridade, pela diferença, do cliente; e de respeito pela diferença e frescor de sua vivência empírico fe-nomenal. Como imprescindíveis condições do privilegiamento do encontro, nesta dialógica interhu-mana. O encontro como vivência de momentos de um modo de ser generativamente existencial, existenciati-vo, poiético.
O quanto, e o como, nos acostumamos a ver -- na vivência de sua relação com o cliente, ou com o grupo, à guisa de metodologia -- a obstinação mansa e rítmica de Rogers, e de seus colaboradores mais imediatos, no privilegiamento, radical, da mera, nu-a, crua, e simples, dialógica interhumana. Não raro, de um modo exasperante, caótico, desconcertante, irri-tante... Mas paciente, pacientemente elaborado, até que, como dizia Perls, o deserto começasse a florescer. Ou, como dizia John Wood, até que a orquestra se afi-nasse, e estivesse em condições para uma ‘performance poiética’.
Mal entendido, muito mal entendido, foi Carl Rogers, muito freqüentemente, em suas concepções e posturas metodológicas. Mal entendido pelos ‘de fora’. E, freqüentemente, mal entendido por muitos dos “de dentro”, que assumiam a incorporação de seu modelo.
Estes, muito freqüentemente, pelo equívoco banal, e danoso, de confundir, e trocar, por motivos vários, o simples pelo simplório. Descurando do ele-mentar, mas tão precioso, e sutilmente conquistado, empirismo humanista , fenomenológico existencial, dialógico, na relação inter humana.
Substituindo por atitudes retóricas, e estereo-tipadas, ou meramente manipulativas, a essência incontornável de vivência de incerteza, de vivência de confirmação da, e de interação com a, diferença do outro; negando-se à vivência de desconcerto, não raro de desconforto, ou de conflito, inerentes à vi-vência deste empirismo inter humano -- fértil, como tal, à germinação da ação, da criação, da existencia-ção.
Não muito longe, outros, por captarem o modelo rogeriano em fases primitivas, quando ain-da havia uma referência importante, e mesmo a aspiração de um certo cientificismo. Com surpresa, os vemos hoje em dia tentando interpretar o modelo rogeriano pela via de um cientificismo pseudo cien-tífico. Inscientes, talvez, do finíssimo e precioso trabalho de Rogers na superação não só do cientifi-cismo, mas do próprio paradigma científico em psicologia e psicoterapia, em privilégio do que per-mite, potencializa e engendra o existencial. Perde-ram o bonde?

Mal entendido pelos técnicos, Carl Rogers. Técnicos que surpreenderiam, evidente e obviamen-te, a indigência de técnicas, de uma metodologia técnica, no paradigma rogeriano. Inscientes, certa-mente, de que Rogers já havia, de há muito, passado pela questão da técnica ao nível existencial das relações inter humanas, e, portanto, ao nível do método em psicologia e psicoterapia. E compreendido que a e-xistência, em seu caráter fenomenal essencial de atualização de possíveis inéditos, essencialmente ir-repetíveis em sua qualidade e processo, não é acessível à efetividade de competência da técnica. A existência, como observou Heidegger , resolve-se ape-nas existencialmente. E Rogers compreendia muito bem, e profundamente, isto. Da mesma forma que entendia a inefetividade, e mesmo o dano, sempre latente, iminente e atual, do abuso da improprieda-de de uma abordagem técnica em questões existenciais. Na verdade, foi esta uma primeira constatação, e uma das primeiras condições de mé-todo, dos psicoterapeutas e psicólogos fenomenológico existenciais.

Mal entendido, Rogers, pelos científicos. Que – pertinentemente -- não reconheciam no paradigma rogeriano, e em sua atividade profissional, a aplica-ção do método científico formal. Nem a aplicação tecnológica, por este paradigma, de um conheci-mento elaborado através dos procedimentos científicos consagrados. Nunca entenderam estes, evidentemente, o sentido propriamente fenomeno-lógico existencial de experimentação.
Bem antes dos cientificistas pseudo científicos em psicologia -- alguns mesmo dos que se dizendo rogerianos, de hoje (pasmem!) --, Rogers entendeu que -- da mesma forma que o paradigma técnico -- o paradigma científico não dava conta do vivido fe-nomenativo, no qual o possível é possível. Nem se aplicava à, ato-ação ao nível do existencial. Na medi-da, em particular, em que o existencial se configura como sendo da ordem do modo humano de ser da ação poiética, e não da ordem do epistemológico.
Não é porque é menos, que o fenomenológico existencial não é da ordem do científico. É, apenas, porque o científico não dá conta do existencial, que nem mesmo da ordem da realidade é. Quanto mais da ordem da objetividade. Diria pessoa pela boca de uma sua personagem,
Estávamos cheias de ser nós. E isso porque sabíamos, com toda carne de nossa carne, que não éramos uma realidade.
Bem ao gosto de Nietzsche , Rogers entendia que o existencial não se conforma ao empistemoló-gico, e epistemofílico, pressuposto científico da busca de verdades. Não se conforma às esferas do co-nhecer, e do conhecimento, e de suas vontades.
Não é por outro motivo que o coração tem ra-zões que a própria razão desconhece (Pascal); e que seria enloquecedooooooorrrrr se amor tivesse a ver com verda-de... (Maffesoli). Mas, mais propriamente, o existencial, experimental, a-ventura-se, de um modo essencial, na incerteza, e na improvisação, da poten-cia criativa, na possibilidade humanamente ontológica da criação da realidade e do verdadeiro.

Mal entendido pelos moralistas. Especial e inconformadamente destronados. Moralistas que, similar-mente aos científicos, não encontravam no paradigma rogeriano a preocupação tradicional com a busca da verdade, com uma busca de adequação a verdades, ou a valores preconizados, nem com a transmissão, ou imposição, de verdades estabeleci-das. Nem mesmo, inclusive, uma preocupação com o positivismo do real, ou com o princípio de reali-dade.

Os pragmatistas chocavam-se, certamente, com a enorme inutilidade e “desperdício” de tempo e de recursos da metodologia vivencial rogeriana. Es-sencialmente incompatível com o prático; em especial, incompatível com o pragmático.
Sem advertirem-se, certamente, de que, em sua especificidade, a existência humana -- eminen-temente da ordem do modo de ser do poiético -- dá-se e desdobra-se, cria-se, engendra-se, resolve-se, ao nível deste humano modo de ser que não é da or-dem do modo de ser no qual se dão o útil e a utilidade. Humano modo de ser, que sem prejuízo do prático e da prática, não é da ordem do modo de ser no qual se dão a prática, o valor do prático e da pragmática.
Ainda que deste fenomenológico existencial poiético modo de ser tudo provenha; e, paradoxal-mente, provenham, inclusive, em suas especificidades, todos os úteis, e as suas utilidades.
Na verdade, como observa Buber , com es-sencial propriedade, o modo humano ontologicamente existencial de ser, não só, não é da ordem do útil e da utilidade, como não o é, igual-mente, da ordem do modo de ser no qual vigoram os fins e os meios; não é da ordem do modo de ser da arbitrariedade, não é da ordem do modo de ser em que vigora a causalidade das causas e dos efei-tos, dos meios e dos fins; a sua fatalidade; nem mesmo é, como observamos, da ordem do modo de ser que entendemos como realidade, no sentido obje-tivo do modo de ser no qual vigora o eixo dicotômico das relações sujeito-objeto...

Para os teoréticos... Que resolvem o mundo em sua abstração... Para os teóricos, Rogers, a santa inco-erência... Uma verdadeira metamorfose ambulante. Congenitamente ingênuo...
De vários tipos, os teóricos, em uníssono, e estereotipadamente, balançam, desaprovadoramen-te, a cabeça, diante do paradigma rogeriano.
Sem se precatarem de que, fundamentalmen-te, Rogers compreendera, em sua efetividade, a distinção específica entre teoria e existência, a dis-tinção entre ação e teoria. Rogers intuíra a distinção entre explicação e compreensão, e intuíra que não existe explicação que possa levar à compreensão (Takuan So-ho). E estava convencido de que, para lidar efetivamente com a condição humana -- com suas questões, com suas crises, superações e crescimento; para lidar com a sua efetiva e específica possibilida-de de ação --, é imperativo fazer-se ao largo do teórico, da teoria e da teorização, e direcionar-se, decidida e radicalmente, no sentido deste delicioso (cada um sabe a dor e a delícia de ser o que é...), e onto-lógico, modo existencial de sermos. Que é perfeita aderência à ação, à incerteza, e ao devir, fenomenais. E que, especificamente, e por definição, e radical-mente, não é da ordem do modo de sermos em que somos teóricos e conceituais, explicativos.
Não que Rogers fosse um anti teórico. Nada disso. Rogers tinha uma grande consideração pela teoria e pela teorização. Está aí a sua obra escrita. Mas, ainda que se interconectem, e interajam, cada coisa em seu lugar.
Aliás, é de capital importância entender que a vivência empírica é, por definição, não teorética; mas que existe uma diferença fundamental entre o empi-rismo objetivista, tradicional na cultura anglo-saxã, e o empirismo fenomenológico em termos do teórico, da teoria e da teorização: o empirismo objetivista é ra-dicalmente contrário, e avesso, à teoria e à teorização. O empirismo fenomenológico não é a-vesso ao teórico, à teoria e à teorização. Ou seja, igualmente para o empirismo fenomenológico, a vi-vência empírica é caracteristicamente não teorizante, e não se assenta sobre teoria. Mas a teoria pode constituir-se como um outro e relevante mo-mento, a partir da vivência não teórica. Da mesma forma que a teoria pode constituir-se como elemen-to das condições de sua hermenêutica.
De modo que, desde Brentano, não há, para o empirismo fenomenológico, um preconceito e uma aversão ao teórico, à teoria e a teorização. Eles são possíveis e necessários, desejáveis, ainda que sejam estranhos e heterogêneos com relação aos momen-tos particulares da vivência empírica. Que, fenomenológica, não comporta a dicotomia do eixo de referência das relações de sujeito-objeto. Da mesma forma que, evidentemente, não poderia pri-vilegiar o pólo objeto desta relação, constituindo-se no campo da objetividade, como objetivista.

O desafio de Rogers era lidar com a potência humana de superação, e com as dificuldades exis-tenciais neste processo de superação; lidando com clientes de psicoterapia, e de psicologia. Rogers en-tendeu que a atuação, a efetivação, desta potência humana de superação se dá, especificamente, no âmbito do modo de sermos que é pré-teórico, pré-reflexivo, pré-conceitual. Modo de sermos a que ele, seguindo a Goldstein, denominava de experiência or-ganísmica. Modo de sermos a que Dilthey e Heidegger, guardando as devidas particularidades, chamavam, respectivamente, de vivido e de ser-no-mundo. E como atuação do que ele chamava, e en-tendia, como tendência atualizante humana.
No âmbito próprio da vivência momentânea deste modo fenomenológico de sermos, a teoria e a teorização são supérfluos, de pouca valia, inefetivos, impróprios. Quando não perturbadores, repressivos e danosos. Este modo de sermos demanda outras habilidades, equivalentes às de um dançante, ou as de um nadador, ou de um artista, em suas ativida-des próprias.

A questão de Rogers, portanto, era a da expe-rimentação, da definição, e desenvolvimento, de uma concepção e de uma metodologia não teorizan-tes em psicologia e psicoterapia, no trabalho com grupos, e nas áreas a que ele posteriormente se de-dica. Uma metodologia não teorizante, fenomenológico existencial empírica, de vivência, para o cliente, a partir de condições e atuação cola-borativa e sinérgica, igualmente fenomenológico existenciais empíricas, por parte do terapeuta, psicó-logo, educador. Concepção e metodologia fenomenológico existenciais empíricas, poiéticas, mais aparentada do modo artístico de funcionamen-to, o que quer dizer, não teorizantes, não técnicas, não moralistas, não científicas, não práticas.
Quanto a sua própria teorização, Rogers, as-sim como Perls, viu-se preso, e desafiado, portanto, na experimentação e na elaboração experimental da teoria e da teorização, e na elaboração do logos me-tódico, de uma concepção e metodologia de psico-logia e de psicoterapia no âmbito da atuação de um modo de ser,. radicalmente não teórico e não teori-zante. Fenomenológico, existencial, empírico. Modo de ser próprio da existência e da existenciação, sua e de seus clientes, e dos participantes dos grupos que facilitava; modo de ser próprio à dialógica inter humana, interpessoal, e coletiva.
E, coerente, e concernentemente, a sua teori-zação vai se tornando cada vez mais despretensiosa, em termos especificamente teóricos e explicativos, cada vez mais ensaística, à medida que ele mergulha na perplexidade da vivência de atitudes comensu-ráveis com as qualidades fenomenológicas, fenomenoativas, do próprio modo de ser da existên-cia. Atitudes cada vez menos explicativas, e teóricas, cada vez mais implicativas e compreensivas.
Rogers sempre privilegiou, como atitude me-tódica, e como proposta de vivência para o cliente, a experimentação fenomenológico existencial. A dia-lógica inter humana entre terapeuta e cliente. A linguagem dialógica inter humana da existência. Pa-tética. E, com isso, desdobrou e abriu possibilidades preciosas e muito fecundas para a psicologia, para a psicoterapia, para o trabalho ao nível do humano.
Possibilidades nem sempre compreensíveis, em sua essência e características próprias, a partir de um ponto de vista teórico. Ou de um ponto de vista pragmático.
É fundamental considerar deste ponto de vis-ta a obra teórica de Rogers. A sua evolução à medida que se desenvolve a sua experimentação, a natureza especificamente não teorizante de seu mé-todo, e a própria perplexidade da experimentação profissional de uma metodologia, que por existenci-al, era especificamente empírica, não teórica, não conceitual. Daí o caráter essencial e grandemente aberto de sua obra teórica.

É muito importante considerar que a elabora-ção do paradigma rogeriano, um paradigma não teorético, e, por isso, empirista – neste sentido feno-menológico existencial dialógico --, se dá, exatamente, no âmbito cultural hegemônico e forte de um empi-rismo. Mas, especificamente, no âmbito do empirismo objetivista, vigente na cultura norte ame-ricana e anglo saxã. Carl Rogers destaca-se, assim, com a contribuição de uma concepção e método de psicologia e de psicoterapia fenomenológico exis-tenciais empíricos, radicalmente heterogêneos com relação ao empirismo objetivista então predominan-te.
Tudo isto aponta para questões extremamen-te importantes, que dizem respeito, por exemplo, ao fato de que, ainda que sua teorização seja importan-te, o fundamental, em termos da obra de Rogers, não é exatamente a sua teorização, mas a sua meto-dologia não teorizante. Ou seja, o melhor ponto de vista para a compreensão e a apreciação do para-digma rogeriano não é exatamente o ponto de vista de sua teoria. E, neste sentido, é importante conside-rar a insuficiência da teorização, mesmo a teorização de Rogers, para captar e expressar teoricamente a especificidade de seu logos metódico. Até porque, ao morrer ele apenas iniciara, experimentalmente, a definição de sua concepção e metodologia em ter-mos fenomenológico existenciais empíricos.
O mesmo podemos dizer com relação ao pon-to de vista científico, com relação ao ponto técnico, com relação ao ponto de vista prático, e com relação ao ponto de vista pragmático. Como pontos de vista inespecíficos e impróprios para a apreensão e com-preensão do existencial, do fenomenológico existencial empírico, e, portanto, do paradigma ro-geriano.

Como observamos, longe estamos de dizer que o paradigma rogeriano não é teorizável, ou que a teoria e a teorização não sejam importantes no seu âmbito, ou que não existe, na sua aprendizagem, na sua reprodução, e recriação, uma dimensão teórica efetiva. Nada disso. Apenas é necessário colocar as coisas em seus devidos lugares.
Em primeiro lugar, afirmar que o ponto de vista teórico não é o melhor ponto de vista para a compreensão do paradigma rogeriano. Na verdade, é o teórico um paradigma impróprio. A teoria é pos-sível, sim, inevitável, necessária, interessante. Mas, quando efetiva, no caso do paradigma rogeriano, trata-se da teorização de um paradigma cuja vivên-cia, especificamente não teorizante, é qualitativamente descontínua com o teórico. Da mesma forma que podemos contemplar e imagina-mos a água da piscina quando dela nos aproximamos. Outra coisa é mergulhar na água, vi-venciá-la, e nadar, com ela interagir e desfrutá-la, das várias formas possíveis. O momentâneo mergu-lho exige, e implica, outras formas de conhecimento e habilidades, que própria e especificamente não são teóricos, ou teoricamente providos. São fenomenais, fenomenológico existenciais, fenomenativos, pré-conceituais, pré-reflexivos, empíricos enfim.

É interessante observar que Rogers movimen-tou-se e evoluiu, em termos humanistas, dos contrafortes norte americanos da ciência positivista, e objetivamente empirista -- e do moralismo religioso puritano --, em direção ao existencial, ao empírico fenomenológico existencial, corpo-ativo. Em sua tra-jetória, guardava em si, desde o início, o germe do fenomenológico, e do empatético. Mas esta trajetória careceu de se configurar como uma imensa ativida-de de desconstrução. Imensa -- não tanto em quantidade como em qualidade -- atividade de des-construção em psicologia e psicoterapia do paradigma objetivista, do paradigma técnico, do pa-radigma científico, do paradigma moralista, do paradigma pragmático, e do paradigma prático...
De modo que quando Rogers culmina, em seu paradigma, com o privilegiamento da nua dia-lógica interhumana – ou interlógica diahumana -- de sua empatética, um imenso trabalho de desconstru-ção, de cascavilhamento e de experimentação fenomenológico existencial já havia sido operado.

Creio que podemos dizer que, como não po-deria deixar de ser, Rogers deixa a sua teoria bastante inconclusa. Na verdade, o ponto culminan-te de seu modelo é, num certo sentido, em termos teóricos, um ponto zero. Ele chega às proximidades do ponto zero de uma teoria do privilegiamento fe-nomenológico existencial empírico, nu e cru, da dialógica interhumana, como logos metódico de sua empatética.
Podemos ver que, se, por um lado, a sua teo-ria vai ganhando um caráter despretensiosamente ensaístico; e mesmo se são eventualmente flagrantes contradições, descontinuidades, com relação a um modelo, a uma ontologia, e mesmo método fenome-nológico existencial – ao qual ele vai aderindo de um modo cada vez mais radical; por outro lado, a sua atividade profissional vai ganhando um caráter cada vez mais vivencial, cada vez mais empírico e experimental, num sentido genuinamente fenome-nológico e existencial. Caráter que Rogers experimentou vivencialmente, de um modo intenso, em vários contextos, na psicoterapia individual, na vivência de grupo, na resolução de conflitos, na pe-dagogia... Ancorado, é certo, eventualmente, na metafísica de uma tendência atualizante, concebida em bases exorbitantemente biológicas, e apenas en-trevista em seu caráter propriamente fenomenológico existencial de vivência da dimensão humana do possível, e de sua possibilitações.

2. Carl Rogers. Sobre o sentido da concepção e do logos metódico de seu paradigma em psicologia e psicoterapia II

Na medida em que consideramos a dimensão existencial humana, as suas crises e questões, e as suas resoluções, necessariamente especificamente existenciais, compreendemos que a concepção e a metodologia de Rogers são muito sensíveis e refina-das. Não podemos nos iludir com o seu despojamento. Sobretudo, apesar de simples o seu método, não podemos cair no equívoco de confun-dir o simples com o simplório. A confusão do simples com o simplório se tornou às vezes quase que epidêmica entre os “centrados”.
Isto porque, freqüentemente, as fontes da concepção e método, e a própria concepção e méto-do, de Rogers foram mal compreendidos, ou mesmo desconhecidos. E sua abordagem freqüentemente entendida, ironicamente, como o modelo pronto do objetivismo, ou da pragmática, de uma certa tecno-logia da compreensão, adoçada de fragmentos açucarados da retórica de uma imprecisa ideologia dita “humanista”.
Como estamos comentando, o despojamento da abordagem de Rogers atualiza um desinvesti-mento de posturas, de concepções, de métodos, de epistemologias, de ontologias, incompatíveis com o privilegiamento da dimensão do existencial, com o privilegiamento da dialógica fenomenológico exis-tencial do interhumano; incompatíveis com a sua empatética. Foram-se, então, na vivência do logos metódico do paradigma rogeriano, como observa-mos, os procedimentos técnicos, as pretensões científicas, o moralismo, o pragmatismo, as reflexões teóricas, a teoria e teorização, e mesmo as condições definidoras específicas de uma prática.
Cascavilhando experimentalmente, Rogers buscou as condições que pudessem garantir o veio rico do privilegiamento da dialógica do interhuma-no, como concepção e como logos metódico de sua abordagem de psicologia e de psicoterapia.
Primeiro a não diretividade, um dos pilares clássicos de seu paradigma, que marca o seu afas-tamento do paradigma moralista.
A não diretividade é enriquecida pelas condi-ções terapêuticas da compreensão empática, da consideração positiva incondicional e da genuinida-de do terapeuta, na relação com o cliente. O privilégio da “experienciação”. A empatética -- patéti-ca, peripatética -- do privilegiamento dos momentos próprios de vivência (páthica) dos desdobramentos da dialógica do interhumano.
De fato, Carl Rogers efetivamente experimen-tava, em um processo vigoroso, os fundamentos da concepção e método de uma psicoterapia, e de uma psicologia, fenomenológico existencial. Paradoxal-mente, o seu despojamento representava, na verdade, uma apuração experimental, cada vez mais refinada, de condições fenomenológico existenciais de concepção e de método de psicologia e de psico-terapia.

A psicologia e psicoterapia fenomenológico existencial se afirma e se desdobra, no âmbito da cultura brasileira, e mundial, como um interessante recurso de assistência e trabalho psicológico e psico-terápico, e de produção cultural. Quer seja ao nível da psicoterapia, e nas áreas do seu desenvolvimento e diferenciação; quer seja ao nível do trabalho nas várias áreas da psicologia, que se diversificam cada vez mais, e, cada vez mais, ganham em importância. Como, por, exemplo, no trabalho de desenvolvi-mento comunitário, na empresa, na psicologia jurídica, no atendimento psicológico hospitalar, na mediação e resolução de conflitos, entre outras...
No que podemos entender como Psicologia e Psicoterapia Fenomenológico existencial -- efetiva-mente emergente, assim, e florescente em nossos dias, com ricas e importantes possibilidades de frui-ção e de aplicação --, o trabalho de Carl R Rogers tem um papel inegável, fundamental, e fundador.
Muito importante, pois, atentar para isso, uma vez que é seminal e essencial a relação das con-cepções e método de Carl Rogers com surgimento, desenvolvimento e consolidação de uma concepção e metodologia de psicologia e psicoterapia fenome-nológico existenciais. Coisa efetivamente rara.
Não podemos, naturalmente, deixar de aten-tar para a importância do trabalho pioneiro de um L. Binswanger, ou de um M. Boss. E, a seguir, o tra-balho de um A. Maslow, e de um R. May, no desenvolvimento desta perspectiva em psicologia e psicoterapia, inclusive no próprio desenvolvimento e formação de Carl Rogers. Mas coube a Rogers e a F. Perls o momento da experimentação e caracteri-zação da vivência de metodologias fidedignamente fenomenológico existenciais. E, neste sentido, empí-ricas, experimentais, performáticas, e poiético-hermenêuticas.
Durante um certo momento, a teorização de Rogers, como não poderia deixar de ser, atrelou-se aos vieses das psicologias científicas e das psicote-rapias vigentes no meio cultural norte americano e europeu. Desde muito cedo, não obstante, é nítido o movimento de diferenciação do modelo rogeriano com relação ao hegemônico paradigma do empiris-mo objetivista vigente nos EUA. Creio que, teoricamente, apesar de algumas idas e vindas, Ro-gers evolui para uma crise conceitual. Crise esta que morre na formulação de condições hermenêuticas do empirismo especificamente fenomenológico existencial e poiético-hermenêutico. Que se configurava como ca-racterística forte da vivência de seu método, em particular da sua última fase.
Creio que, de um modo importante, o traba-lho de Rogers, a partir de um certo momento, e em significativas dimensões, deixa de receber simples-mente os influxos da Fenomenologia, do Existencialismo, da psicologia fenomenológico exis-tencial existente, e passa a contribuir, de um modo significativo, com a constituição e desenvolvimento destes.
Em particular, como é notório, e característi-co, a sua abordagem foi assumindo um verdadeiro e corajoso strip tease fenomenativo existencial da teoria, da prática teorizante e conceitual -- algo muito pou-co visto --, e centrando-se de modo cada vez mais empírico e experimental (num sentido fenomenoló-gico e existencial) no que podemos entender como o provimento empírico e experimental, por parte do te-rapeuta, do psicólogo, do facilitador, do pedagogo, de condições hermenêuticas experimentais, fenomenoló-gico existenciais, para que o cliente, o educando, o grupo, o participante do grupo, pudessem efetiva-mente interpretar – num sentido fenomenológico existencial, especificamente -–, a sua vivência, as su-as questões existenciais, as suas possibilidades de ser, as suas possibilitações, e resoluções.
Como observamos, não é só da teorização e da conceituação que Rogers vai, fenomenológico e-xistencial, experimentalmente, abrindo mão, em sua concepção e método. Fenomenológico existencial, e experimentalmente, Rogers vai superando, progres-siva e sucessivamente, em sua experimentação, o paradigma reflexivo em psicologia e psicoterapia, o paradigma técnico, o paradigma comportamental; vai superando, igual e sucessivamente, o paradigma científico, o paradigma moralista, o paradigma prá-tico e pragmático. Em privilégio de um paradigma fenomenológico existencial, de cuja elaboração (e, aí, entender o sentido essencial desta palavra) ele con-tribui decisiva e seminalmente. Um paradigma que podemos dizer fenomenológico existencial experi-mental, fenomenológico existencial empírico, dialógico, fenomenológico existencial poiético, her-menêutico.
A importância das elaborações de Rogers se dão, principalmente e em especial, não ao nível de sua teorização, mas, como seria de se esperar em uma abordagem empírica (não teorética), fenomeno-lógico existencial. Ao nível de sua resoluta experimentação fenomenológico existencial de con-cepções e condições de método.
Assim, não se pode apreender o modelo ro-geriano meramente a partir da sua teorização, ou mesmo da sua escrita ensaística. Fenomenológico existencial empirista, no melhor sentido da tradição de Brentano, é no desenvolvimento de sua de sua metodologia que reside a sua especificidade, e a sua riqueza.
Na realidade, juntamente com Fritz Perls, Carl Rogers foi, progressivamente, assumindo um inquestionável papel de liderança no desenvolvi-mento formulação da psicologia e da psicoterapia fenomenológico existencial.
Pouca gente foi tão longe, e, em particular, tão fidedignamente, quanto Carl Rogers, neste sen-tido.

Cremos que a história conceitual e metodoló-gica da Psicologia Fenomenológico Existencial centra-se e centrar-se-á, cada vez mais, no provi-mento -- no âmbito da relação psicológica e psicote-rapêutica -- de condições hermenêuticas para o processo hermenêutico da interpretação fenomenológico existencial, empírica e experimental, por parte do clien-te. Interpretação da força -- da posse -- do possível, constituído como vivido; e em sua ato ação. Num certo sentido, junto com Perls – este com um outro estilo, com uma outra história, com outros pré-textos e textos mais ou menos teóricos --, fortemente bafejados, neste sentido, por Buber, e por Nietzsche, Rogers parece ser um dos propositores maiores des-tas condições, em psicologia e psicoterapia.
De modo que Carl Rogers, e Fritz Perls têm, assim, efetivamente, um lugar bastante diferenciado na gênese, constituição e desdobramentos das con-cepções e métodos das Psicologias e Psicoterapias Fenomenológico existenciais, que emergem e flores-cem em nossos dias, pejadas de interessantes e ricas possibilidades.
É importante que se distinga claramente esta contribuição, uma vez que, freqüentemente, ela não é notada, ou considerada, ou é meramente incom-preendida. Há quem queira diminuí-los... Mas olhando bem, não é pouco, em especial em termos qualitativos, o que eles conseguiram...
Por outro lado, não é raro que se fale de um modo retórico em psicologia e psicoterapia fenome-nológico existencial, já que ela está em moda, e pode até ser chique, sem nenhuma referência a concepção ou método específicos, e sem referência , ou até ne-gando-se, as importantes e qualitativas contribuições de Rogers e de Perls neste sentido es-pecífico. Quando os métodos de Rogers e de Perls, amplamente aplicados, apesar de suas limitações, em particular conceituais, coadunam-se e contribu-em, diferenciada e significativamente, com o caráter fenomenológico e existencial, em particular com a perspectiva de um empirismo aporético e experi-mental, da metodologia em psicologia e psicoterapia.

3. Carl Rogers, o patético. Empatético, peripatético.

Creio que é muito necessário, e até urgente, e fundamental, compreender e definir o sentido do lo-gos metódico do modelo de Carl Rogers como eminentemente patético. Creio que ele, Carl Rogers, muito apreciaria ser desta forma entendido. Na ver-dade, creio que, pela compreensão de uma patética podemos compreender o sentido essencial do logos metódico do modelo de Carl Rogers, esclarecê-lo e desdobrá-lo. De resto, o que não é pouco, estaremos compreendendo iguais qualidades da psicologia e da psicoterapia fenomenológico existencial.
Eu, por certo, não utilizaria termos possivel-mente chocantes para o senso comum, se não estivesse convencido do profundo interesse, neste sentido, de sua utilização.
Naturalmente que alguma operação de limpeza e de esclarecimento precisa ser feita, acerca destes termos, antes de prosseguirmos no argumento. Limpeza, certamente. Porque nenhuma palavra, tal-vez, tenha sido tão pesadamente torcida e distorcida, difamada e degradada quanto à palavra pathos. Na cultura contemporânea, o termo pathos lembra a condição de um rei destronado, em des-graça. Pathos, na verdade, expressa o modo de sermos, no qual vigoram, em seus plenos e efetivos poderes, eminentemente ativos, o afetivo, a emoção, o corpo, o sentido, os sentidos; o vivido, no sentido da vida vivida em sua imediaticidade. Pré-conceitual, pré-reflexiva, não teórica, não prática, não técnica, não comportamental, poiética. Caracteriza o que Buber chamou de modo de ser eu-tu; a vivência que Heideg-ger chamou de ser-no-mundo; a dimensão de ser que Dilthey caracterizou como vivido, vivência.
Ou seja, esse modo de sermos da ‘vida vivida em sua imediaticidade aparescente’, existencialmen-te fenomenal, ativa e criativa, potente de possível. Modo diverso do modo de sermos no qual vigoram a mediação do conceitual, da teoria, da moral, do ci-entífico, do técnico, do prático, do comportamento, da memória, da história.
Esse modo pático de sermos. Que, nas suas tonalidades de embriagues, mais se configura como um drible de corpo na consciência. Do que plena e lú-cida consciência. Dionisiacamente, sempre, mais uma tomada de inconsciência, do que uma tomada de consciência.
Este modo de sermos, fundamental, impres-cindível, ontológico e ontogênico. No qual subpercebemos propriamente, vivemos em sua quali-dade própria, o possível, a possibilidade. E acolhemos e acalentamos a sua potencialização, o seu desdo-bramento, e ato ação. Este modo de sermos que é prerrogativa ontológica nossa de mergulho no Ser, na potência, no eterno retorno da força. Existencial-mente, momento de uma ins-pir-ação. Meramente porque nele, e só nele, o possível, a possibilidade da superação, que qualificam o humano, são possíveis e se desdobram.
Estas são qualidades do pathos, enquanto modo humano de ser. E o sentido de uma ética, um modo de proceder, que o privilegia. O sentido de uma pathética. Path Ética. Ou seja, de uma ética que privilegia as qualidades de um modo páthico de ser.

Pois bem. Na medida em que o corpo foi des-qualificado, no decorrer do desenvolvimento socrático-platônico da civilização ocidental; na me-dida em que o possível e a força, a potência, foram abominados, o pathos, que é corpo ativo, e morada e agência do possível, a dimensão do possível que constitui o nosso ser, e de sua atualização, o pathos foi, igual e concomitantemente abominado. A pala-vra (pathos), o conceito, este modo de sermos, foram virulentamente assacados, massacrados, torcidos e distorcidos, difamados, degenerados... Até represen-tarem, e intensa e predominantemente conotarem, o sentido de doença, na concepção de patologia. Ou de “doença” mental, em sua mais soturna apropriação pelo ressentimento, na expressão psicopatologia*...
Foi necessário o Humanismo da filosofia eu-ropéia do Século XIX, na sua volta ao Renascimento e à antiguidade grega; foi necessário Nietzsche, e a Fenomenologia, para resgatar o sentido e o valor do corpo, do vivido e dos sentidos. Para resgatar o va-lor do pathos, e de uma path-ética. Para que se pudesse afirmar e resgatar o pathos, o modo de ser da vivência pática, como um valor.
Até que se pudesse entender que este modo pático de ser faz parte de nosso ser, faz parte de nos-sa saúde, e é, não só, a fonte desta saúde, como a fonte de nosso ser. Fonte seminal de geração e rege-neração de nós mesmos, e do mundo que nos diz respeito. Aos quais podemos criar e recriar, gerar e regenerar, na medida em que aceitamos e integra-mos, em que afirmamos, em que vivenciamos na sua propriedade o nosso modo páthico de ser. Que, de resto, só pode ser extinto muito depois que esti-vermos, nós mesmos, extintos. Isto por um motivo muito simples, e comum a todos nós: somos seres do possível, e é especificamente nesse modo páthico de ser que o possível é possível, e se desdobra.
Na verdade, é a restrição, em nossa vida, des-se modo páthico, o seu sufocamento, na reiteração excludente dos ditames e limites da hegemonia da consciência lúcida, calculativa, asséptica, repetitiva, medíocre, obsessiva; a restrição e sufocamento do páthico na hegemonia do limite, do individual e da individualidade, que é a base para o que metafori-camente podemos chamar de “doença”, num sentido existencial, e para todos os distúrbios somá-ticos que podem daí decorrer.

Patéticos sempre houve. Aqueles que enten-diam a loucura da interdição de nosso modo páthico de ser, imolado no altar da vontade de abstração, da racionalidade conceitual, da abstração do corpo e dos sentidos da vida vivida em sua imediaticidade. Vontade que mal se escondia e se esconde como má vontade para com tudo que é vivo, e que de vida palpita. Patéticos que assumiram uma ética do pathos. Ou seja, um modo de proceder que não exclui a a-firmação do pathos, do páthico. Que na verdade o privilegia como modo ontológico de sermos.
Os pré socráticos, que privilegiavam o corpo, o vivido e os sentidos, assumiam uma perspectiva de privilegiamento do pathos. A escola filosófica de Aristóteles ficou conhecida como escola dos peripaté-ticos.
Normalmente, quando se indaga o que signi-fica termo peripatético, responde-se, apressada e sumariamente, que ele designa o fato de que os filó-sofos desta escola filosofavam andando. Daí, diz-se, este termo como designação (!?).
Esta “explicação” sumária deixa de fora o sentido maior. De que, à medida que se caminha, a abstração mental, a mente reflexiva, conceitual e cal-culativa, cede progressivamente lugar ao modo de ser de uma vivência pática. A mente reflexiva cede lugar a uma acentuação do pathos. De modo que o que os filósofos peri-path-éticos buscavam era esta acentuação do pathos, e a filosofação a partir desta vi-vência acentuada do pathos.
Patéticos, então, na medida em que assumiam uma ética, um modo de proceder, que privilegiava o pathos, a vivência páhtica, enquanto método de filoso-fação.
Mais que isso, peri path éticos, na medida em que não apenas privilegiavam a vivência páthica como método, mas assumiam uma atitude ativa de afirmação, e ativo mergulho, no modo pático de ser como estilo de filosofação. Uma querência pelo risco e pela tentativa poiética de atualização de seus pos-síveis. Daí também o sentido de ex-peri-mentação, num sentido fenomenológico existencial.
Aristóteles, seus colegas e discípulos, eram, assim, peripatéticos. E propriamente pode-se, assim, dizer que fizeram escola. Não só patéticos, como pe-ripatéticos, o foram também, dentre outros, Brentano, Nietzsche, o Expressionismo e os expressionistas, Heidegger...
De modo que quando descobriram como mé-todo não só a path ética, mas, em específico, a peri path ética, como modo privilegiado de ser, para o te-rapeuta e para o cliente, os psicoterapeutas fenomenológico existenciais, como Carl Rogers e F. Perls, não só não estavam sendo exatamente origi-nais, como estavam em muito boa companhia...
Começou lentamente, com a qualitativa con-tribuição de C. G. Jung e de Otto Rank, e Sandor Ferenczi, que entenderam que a psicoterapia não ti-nha a ver com o tecnicismo inerente a um modelo objetivista, o modelo médico, em particular, que preconizava a intervenção de um sujeito, o psicote-rapeuta, sobre um objeto, paciente. Evoluiu com as mudanças paradigmáticas dos psicoterapeutas fe-nomenológico existenciais europeus, como M. Boss e L. Binswanger, e os psicoterapeutas relacionais, que enfatizavam a imediaticidade da relação inter humana como elemento fundamental do processo terapêutico. Até desaguar nos modelos peripatéticos das abordagens de Carl Rogers e de Fritz Perls. Ambos preconizando, e buscando criar condições para o, patético mergulho ex-peri-mental do cliente, mergulho efetivamente peripatético, como recurso fundamental do logos metódico de seus modelos.
Concomitantemente, vale observar que, a preconização de uma vivência peripatética para o cli-ente, a partir dos vetores de sua atualidade e atualização existenciais (e não de uma experiência moralista, científica, técnica ou teorizante), como re-curso fundamental de método psicoterapêutico e psicológico, é acompanhada por igual prescrição de disposição metodológica para o terapeuta. Uma disposição fenomenológico existencial experimental, peripathética, como disposição metodológica hábil a facilitar e a potencializar a vivência e desdobramen-to da vivência do cliente.
Não podemos dizer que Carl Rogers tivesse, ao tempo de sua morte, uma articulação teórica, ou consciência plenas, do alcance de suas intuições pe-ripatéticas. Mas podemos certamente dizer que é ele que vai mais longe na preconização e na prática da vivência peripatética como logos metódico de uma abordagem de psicologia e de psicoterapia.
Muito particularmente, em especial, porque ninguém certamente, como Rogers, percebeu, e am-plamente exercitou, de um modo preponderantemente empírico, o poder pático, o po-der de propiciamento peripático do grupo, como ambiência terapêutica, de trabalho psicológico e de crescimento humano. A vivência do processo gru-pal, e de seus desdobramentos vivenciais, como ambiência propícia para a vivência peripatética, e su-as implicações, como modo de ser no âmbito dialógico no qual o possível é possível e se desdo-bra.
Se podemos dizer que Rogers não tinha uma consciência plena, e, em particular, uma articulação teórica cabal, do alcance de suas intuições, não po-demos deixar de ressaltar que, desde o início, suas intuições eram neste sentido distintas. O que se con-figura muito claramente a partir do momento em que ele passa a falar de empatia – em-pathia. E que Empatia, especificamente, significa “dentro do pa-thos”.
Como formulador de uma abordagem de psi-cologia e de psicoterapia, Rogers opera um verdadeiro striptease de concepção e método, em di-reção a uma preconização da vivência pática como ambiência e recurso psicoterapêutico. Preconização amplamente protagonizada experimental e empiri-camente por ele próprio, seja ao nível da vivência da prática da psicoterapia individual, seja ao nível da vivência grupal.
Rogers vai abrindo mão, enquanto psicólogo, enquanto psicoterapeuta, e enquanto facilitador de grupo -- e libertando o cliente --, de uma concepção e de uma prática técnicas, de uma concepção e de uma prática científicas, de uma concepção e de uma prática moralistas, de uma concepção e de uma prá-tica realistas. Como característica de prática e de concepção de si próprio enquanto psicólogo, psico-terapeuta, e enquanto facilitador de grupo.
Rogers vai abrindo mão de um desempenho moralista, de um desempenho técnico, de um de-sempenho reflexivo, de um desempenho científico, ou cientificamente assentado, e mesmo desempenho prático, em direção ao privilegiamento de uma vi-vência páthica, de uma path-ética, em-pathética, na verdade peripathética. Nem teoria nem prática, na verdade uma poiética.
Não é outro o reconhecimento que ele faz do valor de saúde no exercício da liberdade experiencial, da avaliação organísmica da experiência. De resto já preconizadas por F. Nietzsche.
Rogers evoluiu decidida e alegremente no sentido de um modelo que se esmerava em criar condições para que o cliente pudesse dar-se aos in-fluxos de sua experiência organísmica, aos influxos dos poderes de sua atualização e avaliação organís-micas, no âmbito de uma vivência páthica. Isto é o que podemos entender como uma patética. Peripathé-tica.
O Rogers que encontramos na segunda me-tade da década de setenta, até o final de sua vida, é um Rogers imerso no privilegiamento da vivência peripatética no contexto da vivência grupal.
Evidentemente que existe em Rogers uma consideração substancial sobre o método do tera-peuta, sobre o seu modo de ser e de proceder na criação das condições para que a vivência páthica do cliente possa ser privilegiada. E, na verdade, o que Rogers propõe, no essencial, como modo de ser do terapeuta e do facilitador de grupos, é o modo de ser da vivência páthica, empáhtica. Rogers propõe, em essência, um terapeuta, um facilitador de grupos, em-páticos. Que privilegiem se situar, nos melhores momentos de vivência de seu logos metódico, dentro de sua vivência páthica, como modo de ser do tera-peuta e do facilitador de grupo. Modo de ser este que pode potencializar a vivência páthica do cliente e dos membros do grupo, o modo próprio à atuali-zação de seus possíveis.
Patético, Empatético, Peripatético, é o modo de ser privilegiado pelo terapeuta e pelo facilitador de grupo que adota o modelo rogeriano, seguindo o ca-ráter e o estilo patético, Empatético e peripatético de seu preconizador.
Foi ousado, muito ousado, Carl Rogers, a-brindo mão dos sisudos referenciais da ciência de antanho, dos poderes e pseudo poderes que esta fa-culta, dos poderes que permitem a postura técnica, a postura teorizante, a postura moralista, e mesmo e em especial, os valores da prática --, mesmo sem ver claramente o outro lado da travessia.
Hoje, podemos claramente entender que a ci-ência, o científico, o técnico, o teórico, o prático, o moralista, não dão conta da laboração ao nível do existencial, não dão conta da existência, na projeta-tividade do possível e da possibilitação a ela imanentes.
Numa imagem ainda insuficiente, podemos dizer que a relação da ciência com a existência é análoga ao pegar em pétalas com luvas de siderúr-gica. O técnico constitui-se como uma acentuação, ainda, da discrepância. Na medida em que se confi-gura como aplicação do conhecimento científico.
Rogers entendeu isto claramente. E, ainda que não o tivesse articulado teoricamente, fez os movimentos decisivos para definir e constituir a prática da psicologia, da psicoterapia, da facilitação de grupos, no âmbito própria e especificamente da hermenêutica fenomenológico existencial. Diante das insuficiências e inespecificidades da ciência, da técnica e do moralismo, em relação à existência e ao processo de sua atualização.
Limitações e insuficiências na articulação teó-rica, ainda que carentes de superação, não impediram Rogers, não obstante, de experimentar amplamente, ao nível da prática empírica, o modo de privilegiamento do pathos, a patética, peripatética, a ética, como modo de procedimento, de uma herme-nêutica fenomenológico existencial, no âmbito da psicologia, da psicoterapia e da facilitação de gru-pos.
Em particular porque este modo de procedi-mento é o modo próprio e hábil para que experimentalmente se possa engendrar respostas para questões sobre “o que é que esta pessoa pode?” “O que é que pode este grupo?” “O que podem os seus participantes?” “O que posso eu...”
Na medida em que descobrimos e redesco-brimos que é ao modo de ser de uma
ex peri path ética que o possível -- que nossa atualida-de existencial reivindica, solicita, ou desesperadamente demanda – que o possível é efe-tivamente possível, e se desdobra. Possibilita-se.
Temos a descortinar-se diante de nós os pri-mórdios e toda uma história possível, teórica e prática, teórica e empírica, poiético empírica, da psi-cologia, da psicoterapia, e da facilitação de grupos, pertinente a um paradigma peripatético, um para-digma fenomenológico existencial hermenêutico.
E temos a saudar, efetivamente, um grande e sincero pioneiro, com suas ousadas experimenta-ções. O Dr. Carl R. Rogers, um membro distinto da “confraria” dos patéticos, empatéticos, peripatéticos...

4. Nem Teorético, nem Prático. Muito menos Pragmático O Paradigma Rogeriano. Fenomenológico Existencial: Poiético.

4.
Nem Teorético, nem Prático.
Muito menos Pragmático
O Paradigma Rogeriano.
Fenomenológico Existencial: Poiético.



Uma das características mais marcantes e es-pecíficas do paradigma rogeriano, do paradigma fenomenológico existencial, é a de que ele não é da esfera do prático, ele não é uma prática.
A característica do modo vivencial, fenome-nológico existencial, que o paradigma rogeriano preconiza, como modo privilegiado de vivência -- para o cliente, e para o desempenho metodológico do terapeuta, ou psicólogo – se descompromete com, e não privilegia, as características fundamen-tais do prático e da prática.Tais como a ação voluntária, a utilidade, a hegemonia do princípio de so-brevivência como critério (mas a superação). O vivencial, fenomenológico existencial, dialógico e poiético, é um modo de sermos no qual dão-se, co-mo vivência, a força do possível, e da possibilitação, de sua atualização.
Diferentemente do prático e da prática, as ca-racterísticas peculiares do modo fenomenológico existencial, poiético e dialógico, são a ação espontânea (em contraposição com a ação voluntária, própria à prática), a vivência fora do plano da dicotomização sujeito-objeto; e fora do modo de sermos em que vi-gora a causalidade, em que vigoram os fins e os meios. São características definidoras, ainda, do modo fenomenológico existencial de sermos a vivên-cia de superação, característica e intrínseca à atualização de possibilidades (em contraposição ao predomínio do princípio de sobrevivência, à adaptação e à conservação, característicos do prático e da prática).

Esta característica não prática do paradigma fenomenológico existencial rogeriano talvez seja um pouco mais sutil, e até mais desconhecida. Uma vez que é mais disseminada a compreensão de que a vi-vência do paradigma rogeriano, não é da esfera do teórico e da teorização.
Automaticamente assume-se, então, freqüen-temente, que o paradigma rogeriano seria da esfera da prática. Com o risco de confundi-lo, como fre-qüentemente ocorre, de um modo articulado teoricamente, ou não, como um modelo pragmático.



A. O paradigma rogeriano, nem teoré-tico, nem prático; nem pragmático. Fenomenológico existencial dialógico e poi-ético.

Fenomenológico existencial dialógico, poiéti-co, caracteristicamente, o paradigma rogeriano, assim, não é teorético, e teorizante em sua vivência. A Fenomenologia e o Existencialismo privilegiam um modo de vivência, um modo de “consciência”, que não é teórico, que se caracteriza como “consciência” pré-reflexiva, pré-conceitual, pré-teórica. É especifi-camente isto que define o empirismo da Fenomenologia, e do existencialismo, da filosofia da vida. O fato de se caracterizarem como abordagens da realidade na própria vivência fenomenal, pré-reflexiva, pré teórica. E não através da mediação do teórico, da teoria e do conceitual. Enquanto não teo-rizantes, não conceituais, as abordagens fenomenológico existenciais serão sempre, como tais, empiristas.
Vale observar, como observamos, que este empirismo é, especificamente, um empirismo feno-menológico existencial, e não o empirismo objetivista, do objetivismo e do pragmatismo.
Vivencial, portanto, o paradigma rogeriano não é, na sua vivência, um paradigma de privilégio da experiência abstrativa, não é um paradigma de privilégio da abstração, de privilégio da reflexão, da teorização.
Não teorético, assim, o paradigma fenomeno-lógico existencial rogeriano é facilmente concebido, de modo algo automático, como sendo então da or-dem da prática, da ordem de um modo prático de sermos.
É fundamental para a compreensão do para-digma rogeriano, do paradigma fenomenológico existencial, compreendermos que, da mesma forma que a sua vivência não é da ordem da teorização, ela não é, igualmente, da ordem da prática. Não é da ordem do prático, não é da ordem de uma prática.
O que pode parecer desconcertante, num primeiro momento. Mas, nada mais natural, e espe-cífico ao paradigma fenomenológico existencial, ao paradigma rogeriano.
Certamente que esta característica não estava muito clara nas primeiras fases do modelo rogeria-no, nem na sua teorização. Mas era muito clara nas fases finais, sendo uma característica fundamental do modelo de trabalho com grupos ou do modelo na relação diádica da última fase de Rogers e com-panheiros.
É fundamental assim observarmos que, em se tratando do existencial, do fenomenológico existen-cial, e de uma concepção e metodologia para a psicologia e psicoterapia fenomenológico existenci-al, Rogers cabalmente entendeu que, se, por um lado, a questão não era da esfera do teórico -- já que, como vimos, o fenomenológico existencial é um modo de vivência anterior, e heterogêneo com rela-ção, ao modo teorizante de sermos --, do ponto de vista fenomenológico existencial, igualmente, a questão de sua concepção e método não era a ques-tão de uma prática. Ou seja, não era da esfera do modo prático de sermos.
E isto era e é fundamental, e fundador, em termos do paradigma rogeriano. Na medida em que, como Rogers e a sua tradição entenderam, a e-xistência, o fenomenológico existencial, não são nem da ordem do teórico, nem da ordem do prático, da ordem de uma prática.
São, mais especificamente, da ordem do poié-tico. Não teorético, não prático, em sua vivência, o paradigma rogeriano é eminente e especificamente poiético.
O modo de sermos alternativo a uma teorética não é, necessária e simplesmente, o modo prático de sermos, a prática. Podemos ser, também, e de um modo ontologicamente mais fundamental, de modo fenomenológico existencial poiético. O modo de fe-nomenológico existencial de sermos, no qual, em especial e especificamente, vivenciamos, agencia-mos, potencializamos, e consumamos possibilida-des.
Intuitivamente, isto estava muito claro para Rogers e seus colaboradores, ainda que não tives-sem articulado isto teórica e filosoficamente.
Assim, se, por um lado, a vivência do para-digma rogeriano, seja em grupo ou na relação diádica, não era, e não é, uma vivência de teoriza-ção, uma experiência abstrativa (que abstrai o corpo, o vivido, os sentidos); se não era, e não é, assim, uma experiência teorizante, reflexiva, igualmente, não é uma experiência orientada para a prática, uma experiência de natureza prática. Que, igualmente, se distingue essencial e radicalmente do paradigma fe-nomenológico existencial poiético.
O paradigma rogeriano não é prático, sua vi-vência não é da ordem da prática... Diferente do modo de sermos abstrativo, teorizante, reflexivo; e diferente do modo prático de sermos, a vivência do paradigma rogeriano é, assim, da ordem do feno-menológico existencial poiético: o modo de sermos vivencial (estético) no qual propriamente agencia-mos, potencializamos, atualizamos e consumamos possibilidades.
Assim é que o modo de vivência, caracteristi-camente privilegiado pelo paradigma rogeriano, não se situa no âmbito da prática. Não se caracteriza como prática. E isto é um dos seus aspectos mais pe-culiares e definidores, e um dos aspectos mais pecu-liares e definidores do paradigma da psicologia e psicoterapia fenomenológico existencial.


Coube a Carl Rogers, em particular na última fase de sua obra, a partir de 1974, a radicalização de um paradigma fenomenológico existencial em psi-cologia e psicoterapia. Tendo, em particular, o campo experimental de vivência do modelo feno-menológico existencial de concepção e de facilitação de grupos.
Ainda que explícito (Rogers, Psicoterapia e Relações Humanas), Carl Rogers não fazia grandes definições teóricas, epistemológicas, ou ontológicas, com relação à natureza fenomenológico existencial de sua abordagem.
Isto decorria certamente da postura tradicio-nalmente empirista que ele compartilhava com o meio da cultura, da filosofia e da ciência norte ame-ricanas. A questão qualitativamente crítica, não obstante, é a de que, com a Fenomenologia da tradi-ção de Brentano, à qual ele aderiu, o próprio estatuto do empirismo se transforma. O empirismo que Rogers praticava, especificamente, o empirismo fenomenológico existencial. Enquanto que o empi-rismo que vigorava na cultura norte americana era um empirismo objetivista.
O empirismo é, em essência, uma abordagem da realidade na própria vivência da realidade, sem a mediação da teoria. Radicalmente empirista, nesse sentido, segundo a definição de Brentano, a Feno-menologia se distingue, radicalmente, do empirismo objetivista, comum ao meio da cultura, da filosofia e da ciência norte americanas, de que Rogers compar-tilhava. O empirismo fenomenológico considera e privilegia o modo fenomenológico existencial de sermos que se configura fora do modo de sermos no qual vigora a estrutura da relação sujeito-objeto. E que, evidentemente, não assume, nem poderia uma atitude de privilegiamento do objeto.
Rogers e colaboradores profundamente en-tenderam e praticaram os diferenciais do empirismo especificamente fenomenológico. Ainda que não o te-nham especificamente tematizado teoricamente, era evidente a sua adesão a este. A falta de clareza com relação aos dois tipos de empirismo foi, e é, motivo de vários tipos de confusão.
Decididamente, não obstante, não era um empirismo de tipo objetivista o que praticavam Ro-gers e colaboradores.
Daí ser de grande interesse elucidarmos as características fundamentais do paradigma fenome-nológico existencial, em sua vivência empírica, para compreendermos, vivenciarmos e desdobrarmos o paradigma rogeriano em psicologia e psicoterapia. Em, particular, no que concerne a sua característica fenomenológico existencial poiética. Característica que aparece plenamente no último período da obra de Rogers, em especial na concepção, vivência e me-todologia do trabalho com grupos. Na verdade, aparece em toda a concepção e metodologia da a-bordagem rogeriana, na medida em que o modelo de trabalho com grupos exerce uma influência qua-litativamente decisiva nas reformulações concepção e metodologia do trabalho ao nível das relações diá-dicas, a ponto de John Wood observar que só existia trabalho com grupos na abordagem rogeriana, sen-do, especificamente,.o trabalho diádico um “grupo de duas pessoas”.
Coerentemente, Carl Rogers adentrou, feno-menológico, existencial experimentalmente, a esfera do poiético, como modo privilegiado de vivência e como logos metódico de sua abordagem.
A característica poiética do modo fenomeno-lógico existencial de sermos caracteriza-o como um modo natural e particular de sermos no qual, como vivência fenomenal, se dá a possibilidade, e o seu desdobramento, a sua atualização.
Peculiarmente, dentre outras características, o modo fenomenológico existencial poiético de sermos, que permite a vivência do possível e de sua atuali-zação, dá-se na esfera da ação espontânea; e não na esfera da ação voluntária, deliberada, intencional, que caracteriza o prático.
Ou seja, a ação, ao nível do poiético, da vi-vência da tensão projetativa do possível, e da sua possibilitação, de sua ato-ação, é, especificamente, espontânea, desproposital.
Por outro lado, apesar de ser, assim, o domí-nio por excelência da vivência do possível, e de sua atualização, a própria vivência poiética não é da or-dem dos úteis e da utilidade. De modo que, ainda que todos os úteis e suas utilidades sejam produzi-dos poiéticamente, na vivência poiética, em si, não vigora a utilidade e a utilização, e o valor delas; que são, caracteristicamente da ordem da prática.
Esta distinção entre teórico, prático e poiético já está presente em Aristóteles, em sua distinção das três áreas de ciência.
O termo poiese consagrou-se na Fisiologia e na Medicina, e na Ontologia, quando falamos, por e-xemplo, em Fisiologia, da hematopoiese, designando o processo através do qual, nas células da medula dos ossos largos do corpo, as células do sangue são geradas, criadas, produzidas. Poiese tem, assim, este sentido, de geração, de engendramento, de produ-ção.
Em Ontologia podemos falar de ontopoiese. Como o processo no qual, através do desdobramen-to vivencial do possível, engendramos o próprio ser-no-mundo. O poiético refere-se assim a este modo vivencial de sermos no qual o possível é possível, e se atualiza, no engendramento de nosso ser-no-mundo, que é criação e recriação, e resolução exis-tenciais.
Carl Rogers concentrou-se, progressivamente, na definição, e na criação, das condições para a vi-vência fenomenológico existencial poiética, no encontro diádico e no encontro grupal.
No desenvolvimento experimental de seu pa-radigma de trabalho com grupos, estas características vão sendo progressivamente radicali-zadas, até a constituição, em seu paradigma metodológico, de um privilégio soberano da vivên-cia inter humana fenomenológico existencial espontânea e -- fenomenológico existencial -- expe-rimental, poiética, como elemento central. Ao mesmo tempo em que ele experimenta e busca defi-nir as condições metodológicas de propiciamento desta vivência no âmbito do processo grupal.
Como Vera Cury apontou, as aprendizagens com a experimentação no desenvolvimento do pa-radigma de trabalho grupal vai ter uma marcante influência na reelaboração do modelo de trabalho inter individual.

É importante observar que estas característi-cas do paradigma rogeriano não negam a existência e a importância da própria da esfera da prática e do prático, em sua dimensão própria. A importância do modo prático de ser. Apenas não generalizam nem supervalorizam o valor do prático na condição do humano. Não o elegem a condição de critério. En-tendem o modo fenomenológico existencial humano como nosso modo especificamente ontológico de sermos, o modo especificamente existencial, no qual se dão a existência e o processo de sua resolução; o possível, a possibilidade, e a sua atualização.
Mais que isto, o paradigma fenomenológico existencial assume a perspectiva de que, ainda que não sendo da ordem da prática, é ao nível de sua vi-vência fenomenológico existencial poiética, dialógica, que constituímos a nós mesmos, e ao mundo que nos diz respeito, aos úteis e a suas utili-dades, como atualização de possibilidades, como resolução existencial. Ou seja a esfera da prática, de sua vitalização e revitalização, de sua criação e re-criação, depende fundamentalmente da criatividade vivencial do fenomenológico existencial poiético.
De modo que podemos pensar numa eficácia criativa, numa pragmática, deste modo não pragmá-tico e fenomenológico existencial poiético de sermos.



B. Do Pradigma Teorético

Era eu o poeta estimulado pela filosofia, não o filósofo interessado pela poesia.
F. Pessoa.

É muito importante atentar para o fato de que não se trata, no paradigma dialógico, fenomenológi-co existencial poiético, empiricamente fenomenal, de um desapreço pela teoria, pela teorização, e pelo modo teorizante e teorético de ser.
Empirista, significa que o modo de ser privi-legiado pelo paradigma fenomenológico existencial será sempre não teorizante em sua vivência.
Mas, ainda que o momento de sua vivência seja, especificamente, assim, não teorizante, e privi-legiativo do modo de sermos da vivência pré reflexiva, pré-teorizante, pré-conceitual, a perspecti-va fenomenológico existencial não desqualifica a importância do teórico e da teorização, em seu mo-mento próprio.
Apenas busca colocar as coisas em seus devi-dos lugares: a vivência fenomenal é ontologicamente prioritária, na medida em que es-pecificamente ontológica. Ou seja, o nosso modo próprio de ser em que se constitui o logos, o sentido, a emergência fenomenal do sentido, que caracteriza o humano, como vivência do possível e vivência de sua atualização. Modo poiético sermos de geração de nosso ser-no-mundo.
O teórico tem a sua diferença e importância próprias, na perspectiva do paradigma fenomenoló-gico -- ainda que este seja especificamente empirista, não teorizante, em sua vivência. Mas o momento da teoria e da teorização, anteriormente ou posterior-mente ao momento da vivência fenomenal, tem uma importância própria, e valorizada em suas caracte-rísticas e poderes próprios. O fenomenologista valoriza a boa teoria e a boa teorização, e está moti-vado para estudar toda a teoria efetivamente interessante sobre seus objetos de interesse. Ciente sempre de que o momento hierarquicamente supe-rior é o momento não teorizante, empírico, da vivência fenomenal, dialógica e poiética.
Assim é que o empirismo fenomenológico convive de um modo produtivo, sinérgico, com a teoria e com a teorização interessantes.
Isto é diferente da postura anti-teórica, e anti-teorizante, do empirismo objetivista, radicalmente avesso à teoria e a teorização.
Cabe, portanto, uma atenção cuidadosa na distinção, neste sentido, e no sentido de suas peculi-aridades e diferenças, entre o empirismo fenomenológico (que se situa e privilegia um modo de vivência que está fora do modo de ser da relação sujeito objeto; e, muito mais, fora de um modo de ser que, no âmbito da relação sujeito objeto, privile-gia o pólo objeto desta relação), e o empirismo objetivista. Empirismo objetivista que não só privi-legia o modo de sermos da relação sujeito-objeto, como privilegia o pólo objeto desta relação, e a sua descrição, supostamente objetiva. Ao tempo em que rejeita e afasta-se. de qualquer forma de teoria ou de teorização.
O que não podemos prescindir, é de que, fe-nomenológico existencial empirista, ainda que conviva com o interesse da teoria e da teorização, fora de seus momentos específicos, o momento da vivência fenomenológico existencial não é teorizan-te. Sua característica é a de privilegiar no momento de sua vivência o modo de sermos da “consciência” não teorizante, não reflexiva, não conceitual, pré-conceitual, pré-reflexiva, pré-teorizante.

O modo teorético de sermos caracteriza-se pe-la representação, ou seja a re-apresentação, de algo que se apresenta enquanto vivência fenomenal. E que, na representação, demanda, própria e especifi-camente, o afastamento deste modo de ser da vivência fenomenal. No seu sentido mais essencial teoria significa visão de um espetáculo .
Desta forma, a teoria e a teorização constitu-em-se, especificamente, como afastamento do modo de ser da vivência, e articula relações explicativas de natureza objetiva.

Alguns elementos, assim, caracterizam o mo-do teorético de sermos. Dentre eles:

1. O fato de que, especificamente, o modo teorizan-te de sermos se configura como um afastamento para com o modo de ser encarnado do vivido fe-nomenológico existencial, dialógico e poiético.
O modo teorético de sermos é um modo de ser abstrativo, contemplativo. No qual o vivido, o corpo e os sentidos, ou seja, o especificamente fenomenológico e existencial – e, vale dizer, o especificamente poiético --, estão especificamen-te abstraídos, em privilégio do abstrato do conceito, e do teórico.
Desnecessário mencionar que o modo de ser fe-nomenológico existencial é especificamente encarnado, pontual e momentaneamente vivido, na vivência imediata de corpo e sentidos. Intui-tivo, no sentido fenomenológico existencial, não comporta, na pontualidade de sua vivência, pró-pria a abstração, a mediação conceitual.
2. Uma distinção essencial e definidora é a de que o modo teorético de sermos funda-se na explica-ção.
O vivido fenomenológico existencial configura-se como, e especificamente é, compreensão.
O vivido fenomenológico existencial constitui-se, em especial, como vivência compreensiva, e desdobramento de possibilidade. Desdobramen-to este que se constitui como a interpretação, interpretação num sentido especificamente feno-menológico existencial. O que o constitui como um modo poiético de sermos.
3. O modo teorético de sermos vigora como articu-lação de relações explicativas de causa e efeito. Enquanto que o modo de ser fenomenológico e-xistencial, além de dar-se, primária e originariamente, como vivência compreensiva, dá-se como vivência pré-compreensiva de possibili-dade, como desdobramento, compreensão e consumação de possibilidade. Processo do qual se exclui não só o modo de ser da explicação, como a articulação explicativa de causas e efei-tos.
4. O modo de ser teorético se constitui na experien-ciação da dicotomização sujeito-objeto. Enquanto que o modo de ser fenomenológico existencial dialógico e poiético, ser-no-mundo, não compor-ta esta dicotomização sujeito-objeto, ainda que se constitua, na sua momentaneidade, na tensão do âmbito dialógico da relação eu-tu. (BUBER,)


C. O prático e o pragmático;

A partir desta constatação de que o modelo fenomenológico existencial rogeriano não é da or-dem da prática, da mesma forma que não é da ordem do teorético, é interessante observar e com-preender algumas características que constituem o paradigma da prática, o prático. Compreender as características fundamentais do paradigma teoréti-co. E as características, e diferenciais, com relação a estes dois, do paradigma fenomenológico existenci-al, dialógico e poiético.

Algumas características sobressaem no para-digma prático:
1. O valor prioritário do útil e da utilidade;
2. O valor da utilidade, segundo o princípio de sobrevivência;
3. O prático, a prática, tem com referência o valor da utilidade em termos de adapta-ção e do princípio de sobrevivência;
4. A prática caracteriza-se pela ação voluntá-ria deliberada.
5. A prática se dá no âmbito do modo de sermos da relação sujeito-objeto.
6. A prática se dá no âmbito do modo de sermos das relações de causa e efeito.

A prática exige o caráter voluntário e deliberado da “ação”. E o critério de sua avaliação é o da utili-dade. Em particular, da utilidade para a adaptação e para a sobrevivência. Uma característica fundamen-tal do paradigma fenomenológico existencial rogeriano é a da entrega à espontaneidade, a entre-ga à ação espontânea do vivido; ou seja, a entrega à espontaneidade generativa (poiética) do vivido, com sua característica espontaneidade desproposital de vivência do desdobramento da força do possível, e da performação de sua atualização. De modo que no modo privilegiado por sua vivência, o que vigora é o modo de ser da ação espontânea, e não o modo de ser da ação voluntária e intencional.
Na vivência existencial, não vigoram a utili-dade e a utilização, características da esfera da prática. E a prioridade de sua força consuma-se na superação, e não, simplesmente, no primado da so-brevivência, da manutenção e da adaptação.
As características do vivencial fenomenológi-co existencial, privilegiado pelo paradigma rogeriano, não se enquadram portanto no âmbito do prático, e da prática. Mas, especificamente, no âmbito do poiético.

O prático tem sempre o sentido de uma ativi-dade voluntária que modifica o ambiente, tendo como critério o primado da utilidade, em particular a uti-lidade para a sobrevivência. Na esfera do modo prático de ser vigoram os úteis e as utilidades; e a efe-tividade da causalidade e dos meios e dos fins.


D. O fenomenológico existencial poié-tico.

Sumariando características do nosso modo fenomenológico existencial poiético e dialógico de sermos, cabe dizer, em primeiro lugar, que é este o nosso modo onto-lógico de sermos, para uma pers-pectiva fenomenológico existencial.
Em essência (que é existência), somos sentido (logos), e ação. Ontologicamente somos logos (senti-do); ontologicamente somos onto-lógicos. Sentido e ação, como atualização sentida, que se dá na vivên-cia do possível, que é própria ao modo fenomenológico existencial dialógico e poiético de sermos.
O sentido, o logos, que continuamente nos constitui, se nos dá como pré-compreensão da força de possibilidade, como compreensão, e desdobra-mento desta força (interpretação fenomenológico existencial) em criação; ação propriamente dita.
Este modo de sermos é um modo que, ainda que comporte a dualização eu-tu, não comporta a dicotomização sujeito- objeto, própria de nosso mo-do acontecido, realizado, ôntico, de sermos (Buber,).
Neste modo de sermos, a causalidade não vi-gora. Ele é imediatamente vivido e vivência. Presença que se desdobra, diria Buber.
Imediato, não comporta a mediação dos mei-os e dos fins. Seja dos meios e dos fins teóricos, seja a dos meios e dos fins práticos. Ao mesmo tempo, que nada tem do automatismo comportamental.
O modo fenomenológico existencial, enquan-to modo de incontornável atualização de possibilidade, é especificamente o modo de dar-se da ação. Mas em seu âmbito, a ação como atualiza-ção de força de possibilidade, em sua incerteza, tentatividade, e riscos próprios (experimentação), não é, especificamente, a ação voluntária, deliberada e intencional, característica da prática. A ação, no âmbito da vivência fenomenológico existencial, é, especifica e propriamente, a ação espontânea e expe-rimental (no sentido fenomenológico existencial). Ou seja a ação propriamente desproposital, tendencial-mente desmotivada, ainda que intensamente estésica e estética, .atualizante de possibilidades, criativa.
A ação assim vivida é eminentemente incon-veniente. Ou seja, no sentido de que não tem “convênio”, não tem contrato, com o real, com a rea-lidade e com acontecido. Ela não serve à adaptação, à conservação, à sobrevivência, uma vez que, em sua inconveniência, ela é a própria força da superação e de reordenamento.
Assim, enquanto a prática, por exemplo, está fortemente fundada na utilidade, pautada pelo valor desta para a adaptação e sobrevivência, o fenomeno-lógico existencial poiético atualiza sempre a superação daquilo que a prática busca conservar.


E. Conclusão.

Caracteristicamente, pois, o paradigma roge-riano não se define na esfera teórica, nem na esfera da prática. Ou seja, em sua essência não se trata do investimento em uma atividade de teorização, por parte do cliente ou do terapeuta, do facilitador; de um empreendimento em que o teórico e a teorização sejam relevantes. Da mesma forma, não se trata de uma atividade prática. Ou seja, naquilo que lhe é mais essencial, o paradigma rogeriano em sua vi-vência não guarda o caráter de valorização do modo de sermos que permite útil e da utilidade, ou o cará-ter de ação voluntária que caracterizam a prática. Muito menos está orientado pelos princípios da a-daptação, e da sobrevivência.
O modo de vivência fenomenal que lhe é próprio, não se dá no eixo da relação de causa e efei-to, nem no âmbito da realidade da dicotomia sujeito-objeto.
O que lhe interessa é a espontaneidade gene-rativa do modo de sermos da vivência do possível, e de sua possibilitação, como superação. Que não é da esfera do modo de sermos que é caracteristicamente da ordem da prática.
A vivência fenomenológico existencial não é da ordem das relações sujeito-objeto, ou da ordem das relações de causa e efeito; não é da ordem do ú-til e da utilidade, e, ainda que de âmbito eminentemente ativo, a ação em seu âmbito é da or-dem da ação espontânea, caracteristicamente desproposital.
Em sua atividade, o paradigma rogeriano centra-se, assim, não na contemplação do espetáculo do possível acontecido, objetificado na abstração da vivência física de sua atualização. Nem num esforço e desempenho práticos.
Centra-se, sim, na própria vivência não dico-tômica (dicotomia sujeito-objeto) e integrada; vivência que não se situa no âmbito da causalidade das causas e dos efeitos, dos fins e dos meios (Bu-ber); vivência que se centra na performação, do possível e de sua possibilitação, em per-feito; de sua atualização -- como atualização meramente compre-ensiva, ou como atualização objetivativa.
É a vivência empática, (em)patética, da ação -- como vivência do possível, e de sua atualização -- que caracteriza o paradigma rogeriano. Vivência, portanto, que não é nem da ordem do teórico, nem da ordem do prático. Especificamente vivencial, e poiética. Situando-se fora das pretensões, dos pré requisitos, da teorização, e da prática.
Longe de dizermos, não obstante, que este paradigma não tem uma eficácia específica. O que enfatizamos é que a sua eficácia é mais básica, mais radical, e abrangente, do que a eficácia do teórico, do que a eficácia do prático, e do que a eficácia do comportamental, ao nível do existencial. Ou seja: ao nível da constituição, do próprio engendramento, do sujeito, e do mundo. Engendramentos poiéticos, como vividas atualizações despropositativas de pos-sibilidades. Diferente-mente da prática, ou mesmo de qualquer pragmática da “ação” voluntária, e do princípio de sobrevivência como prioridade criteri-al.
O âmbito do vivencial é, especificamente, o âmbito propriamente da ação. Ação que engendra o possível, o novo, e cria. Diferentemente da teoriza-ção, da prática, ou do comportamental.
Com isto, mesmo que a teorização rogeriana discrepe, eventualmente, com relação a um para-digma fenomenológico existencial -– em particular com relação a uma concepção biologizante da ten-dência atualizante, e em termos de uma concepção pobremente fenomenológica de compreensão -–, a vi-vência experimental de Rogers evolui a passos largos, e firmes, no sentido de uma metodologia empírica e experimental de uma abordagem feno-menológico existencial de psicoterapia e de psicologia.
E, diga-se de passagem, exceção feita a Fritz Perls, ninguém foi fenomenológico existencial expe-rimentalmente tão longe, quantitativa e qualitativamente, quanto Rogers, neste sentido.

5. A particularidade da psicologia e psicotera-pia fenomenológico existencial

Acredito que para entendermos e adequada-mente avaliarmos o caráter e a contribuição fenomenológico existencial do paradigma de Carl Rogers, precisamos de um esboço, mesmo que tenta-tivo, naturalmente, de características definidoras de uma abordagem fenomenológico existencial de psi-cologia e psicoterapia.
É interessante observar que, nem Husserl, nem Heidegger, nem a fenomenologia da Psicologia da Gestalt (ainda que esta tenha uma contribuição importante, através das idéias de Max Wertheimer, e de Kurt Goldstein), é em Franz Brentano que va-mos encontrar as raízes seminais da psicologia e psicoterapia fenomenológico existencial, tais como elas aparecem em Rogers (e em Perls). O Brentano em cujas concepções e métodos, inclusive, vamos encontrar raízes seminais das concepções das feno-menologias de Husserl, de Heidegger, da fenomenologia da Psicologia da Gestalt, das idéias de Max Wertheimer, e de Kurt Goldstein.
Em particular, e muito especialmente, no seu empirismo especificamente fenomenológico, e no seu mé-todo aporético, na sua apor-ética, (derivados estes de Aristóteles).
Naturalmente, não podemos esquecer, i-gualmente, as importantes raízes da PPFE (psicologia e psicoterapias fenomenológico existencial) na tradição hermenêutica compreensiva da filosofia da vida de Dil-they. E, daí, o seu prolongamento na hermenêutica existencial de Heidegger; que, ainda que não tenha sido uma influência direta sobre Rogers ou Perls (indireta, sim, via Medard Boss e Ludwig Binswan-ger), ajuda substancialmente a esclarecer o caráter interpretativo -- hermenêutico, no sentido compreensivo, fenomenológico existencial, e poiético -- da concep-ção e método da psicologia e psicoterapia fenomenológico existencial.
Não podemos esquecer, naturalmente, a in-fluência de F. Nietzsche como uma raiz seminal. A influência monumental de sua obra sobre o pensa-mento ocidental, e, em particular, sobre a intelectualidade e o meio artístico e intelectual ale-mão e europeu, desde os anos do Século XX anteriores à segunda guerra mundial, e que é o cal-do de cultura no qual vicejam o a fenomenologia, o existencialismo, e a psicologia e psicoterapia feno-menológico existencial. Em especial, a sua influência na constituição do movimento artístico e cultural do Expressionismo, que tanto determinou e influenciou o desenvolvimento da concepção e método da PPFE (psicologia e psicoterapia fenomenológico existenci-ais).
Nietzsche também chega, de um modo semi-nal, a estas abordagens, dentre outras influências, através das idéias psicoterapêuticas de Otto Rank, e das concepções filosóficas fenomenológico existen-ciais (...) de Martin Buber. Nietzsche exerceu marcante influência no desenvolvimento das idéias de ambos.
Nietzsche contribui, decisivamente, com o seu explícito e enfático apartamento do pessimismo que marca a filosofia de Schopenhauer (pessimismo que marcará seminalmente a concepção da Psicaná-lise). E, através de sua compreensão de que a alegria trágica é a força maior da existência.
Especialmente, Nietzsche contribuirá com a sua radical postura de afirmação da vida. Com a sua reafirmação do sentido do trágico (a vida merece ser ra-dicalmente afirmada, mesmo quando ela é finitude, e mesmo quando ela é sofrimento...), condição de poten-cialização do retorno da vida, condição da alegria, sentido do trágico recuperado aos gregos pré-socráticos.
Igualmente, Nietzsche contribuirá com o perspectivismo experimental de sua concepção do mundo, da verdade, da existência. Com a sua parti-cular concepção de experimentação (radicalmente diferente da concepção científica de experimentação), num sentido especificamente fenomenológico exis-tencial, e que caracteriza a sua Gaya Scienza, e que decisivamente marcará as concepções rogerianas (e de Perls).
As idéias, concepções e posturas de Buber, elas próprias, tiveram uma enorme influência no de-senvolvimento da concepção e método das PPFE. Tiveram uma grande influência sobre as concepções e método de Rogers, e de Perls. Em particular o es-clarecimento de Buber acerca da dimensão ontológica do eu-tu, e de sua relevância para a gera-ção e regeneração da existência humana; na reversão do decurso das coisas, do decurso do mundo e da vida coisificados, da fatalidade, e pro-cesso substrato da criatividade.
Podemos, assim, sumariar, tentativa e sucin-tamente (comentamos em seguida), alguns traços distintivos, e fundamentais, das psicologias e psico-terapias fenomenológico existenciais, extensi-vamente experimentados por Carl Rogers (e por Perls), na vivência e elaboração de suas concepções e métodos.


Comentamos a seguir alguns desses aspectos, em termos de:
1. Ontologia;
2. Epistemologia;
3. Concepção da existência;
4. Concepção da abordagem;
5. Metodologia


a. Ontologia
Não pretendo aqui discorrer filosoficamente sobre Ontologias, ou ser exaustivo acerca da questão ontológica das PPFE (ainda que esta seja muito im-portante). Mesmo porque isto estaria fora de minhas condições. O que quero, antes, é apontar distinções fundamentais, e direções.

O que sobressai, num primeiro momento, é, seguindo a Nietzsche e a Brentano, uma ruptura e diferenciação radicais com relação à perspectiva pla-tônica de cisão do mundo em um “mundo das essências” e um “mundo sensível”. O mundo das essências privativo dos desuses e das essências; o mundo sensível, simulacro do mundo das essências em todos os seus aspectos, repetição piorada, perti-nente à sensibilidade humana.
Para Nietzsche e para Brentano, a cisão não faz sentido. O mundo se dá exclusivamente na sen-sibilidade, como fenômeno, como vivência.
Esta perspectiva é uma base radical da Fe-nomenologia da tradição de Brentano, de Nietzsche, e das psicologias e psicoterapias fenomenológico e-xistenciais.
Dada esta perspectiva ontológica da realida-de, constituída sempre e exclusivamente como fenômeno -- perspectiva própria à Fenomenologia da tradição de Brentano, e à filosofia da vida de Ni-etzsche --, não podemos nos enganar com o existência dos termos “fenômeno”, e “fenomenolo-gia” na terminologia das filosofias de Kant, de Hegel e de Schopenhauer.
Parafraseando Deleuze, não existe compro-misso possível entre, de um lado, a Fenomenologia da tradição de Brentano e a filosofia da vida de Ni-etzsche, e, do outro, as filosofias de Kant, Hegel e Schopenhauer.
Pelo menos no que concerne à perspectiva ontológica básica do mundo como cindido em duas dimensões. Um “mundo fenomenal”, da ordem da consciência e do sensível, e um “mundo essencial”. Este designado por Kant como “numeno”, “mundo em si”, “coisa em si”; designado por Hegel de “espí-rito universal”; ou de “vontade” por Schopenhauer. Em contraposição sempre a uma dimensão fenome-nal, consciente, e inacessível ao mundo essencial.
A Fenomenologia, tal como a designamos modernamente, e tal como ela se constitui como raiz das abordagens fenomenológico existenciais de psi-cologia e psicoterapia, é a Fenomenologia da tradição de Brentano. Que rompendo com a pers-pectiva desta cisão do mundo em duas dimensões, dá origem às fenomenologias de Husserl, de Hei-degger, de Sartre, de M. Ponty, a fenomenologia da psicologia da Gestalt, e as psicologias e psicoterapi-as fenomenológico existenciais.
Esta precisão é muito importante. Na medida em que as filosofias de Schopenhauer, de Kant e de Hegel têm uma influência básica na constituição de um outro paradigma de psicologia e de psicoterapi-a, o paradigma psicanalítico, radicalmente diverso, neste sentido, do paradigma fenomenológico exis-tencial.


b. Epistemologia

Ao nível de sua vivência, o paradigma feno-menológico existencial não é um paradigma epistemológico, ou seja, um paradigma que privile-gie o conhecimento, no sentido da epistemologia formal.
Não que despreze o conhecimento epistemo-lógico, mas a sua vivência característica é mais de natureza de um desconhecimento, de uma embria-gues; do que da ordem do conhecimento formal, da ordem da lucidez. Como dizia uma colega de Tere-sina, mais da ordem de uma tomada de inconsciência, do que da ordem da tomada de cons-ciência.
No vivido fenomenológico existencial tole-ramos, e cúmplice e amigavelmente acolhemos, o confusional organísmico, no qual a consciência lúci-da se dissolve. Relativizamos o conhecimento e a consciência lúcidos. Em privilégio da originalidade da vivência fenomenal, pré-conceitual, dionisíaca, em suas intensidades corpoativas.
Naturalmente que a predominância de cada um dos modos de ser é tendencial. Hora predomi-nando a consciência lúcida, ora a consciência embriagada da vivência corpoativa. Em proporções diversas de mistura a cada momento.
O importante é que, tendencialmente, não predomina, na vivência, o conhecimento lúcido, o conhecimento abstrato, conceitual, teórico, teor-ético e teorizante. De modo que a vivência não se interes-sa pelo conhecimento, mas mais por este desconhecimento corpoativo, que, ainda que conhe-cimento, é índice de sua reversão em direção ao organísmico, ao desconhecer mental e mentalizante.
Uma outra questão é a de que o existencial, o fenomenológico existencial, não se dá na dimensão das relações sujeito-objeto. Perspectiva fundamental ao empreendimento epistemológico, como ato de conhecer de um sujeito.
Como se constitui, então, a epistemologia, a filosofia do conhecimento, deste modo de desconhe-cer, deste modo de ser que é um drible de corpo na consciência, e na vontade de saber, é uma questão. Que interessa sobretudo aos científicos.
É importante precatarmo-nos de que, na vi-vência fenomenal, não estamos na ordem da ciência, mas na ordem da hermenêutica. Base sobre a qual uma ciência pode se assentar, e que, como tal, su-bordina o empreendimento científico.
A vivência das abordagens fenomenológico existenciais de psicologia e de psicoterapia não é ci-entífica. As abordagens fenomenológico existenciais de psicologia e de psicoterapia não são científicas, não são da ordem da ciência.
E, se não o são, não é por serem menos – nem mais. Mas apenas em função do fato de que a exis-tência, o existencial e sua resolução, não são da ordem do científico e do epistemológico. A existência só se resolve existencialmente (M. Heidegger). E a psi-cologia e a psicoterapia laboram, em essência, ao nível do existencial. Que não é acessível ao científi-co, nem ao tecnológico.
Uma ciência humana de uma humanidade não científica? É um desafio para quem se interessa.
Uma arte da ato-ação no âmbito do inter hu-mano? É possível, e interessante. Por isso uma abordagem fenomenológico existencial vincula-se mais à perspectiva da arte do que à epistemologia da vontade de saber da ciência.
Apesar de não teórica a vivência, a teoria so-bre ela é sempre possível, e sempre decorrente. Em particular, como teoria hermenêutica, e não exata-mente como teoria científica, e epistemológica.


c. Expressionismo

O Expressionismo foi profundamente influen-ciado pela filosofia da vida de Nietzsche, e desenvolve-se no rico “caldo” de cultura que dá ori-gem à Fenomenologia e ao Existencialismo, e às PPFE.
O Humanismo, de filósofos do Século XIX, como Kierkegaard, Nietzsche, Brentano, que, para além de Hegel, buscavam resgatar a perspectiva da experiência humana como referência – resgatando as perspectivas de filosofias do Renascimento, e de filósofos gregos --, teve, igualmente uma influência fundamental.
Subjaz ao Expressionismo a consciência de que o humano não é da restrição à ordem do real. Como Heidegger viria a colocar, posteriormente, em sua fenomenologia existencial: a possibilidade é mais im-portante do que a realidade.
Os expressionistas, nas difíceis condições que determinaram a emergência de seu estilo, intuíam isto, de um modo forte. E entendiam que não é no modo da apolínea consciência lúcida, não é o modo da consciência teórica, da consciência reflexiva e conceitual, que nos permitimos a experiência feno-menal do vivido, a experiência da potência do possível, da possibilidade, e de seu desdobramento expressivo, ontologicamente definidor do humano.
O potente, possível e o seu desdobramento e atualização, ato-ação, ação, vivencia-se, apenas, ex-periencialmente, fenomenológico existencial-mente, vivencialmente.

E a primeira condição para permitirmo-nos a sua vivência, e a vivência fenomenal de seus desdo-bramentos, é o destronamento da hegemonia da realidade.
A realidade, como objetividade, o acontecido, a possibilidade realizada, e, por isso, despossibilita-da, despossuída, coisificada.
A potência do possível, da possibilidade, im-pregna a vivência fenomenológico existencial.
A potente possibilidade não é da ordem do real. Meramente porque o possível não é real, não tem o estatuto da realidade, realizada. Condição maravilhosamente colocada na frase de uma mu-lher, personagem de prosa de Fernando Pessoa, sobre o momento de um encontro com duas amigas: Estávamos cheias de sermos nós. E isso porque sabía-mos, com toda a carne de nossa carne, que não éramos uma realidade.
Isto os Expressionistas sabiam de um modo claro.
De modo que se propuseram em seu estilo a uma vigorosa relativização do princípio de realida-de, do positivismo, e da própria realidade.
Desenvolveram, assim, um estilo performático fenomenológico existencial, dramático, de produção ar-tística. No qual o artista concentrava-se na vivência fenomenal intuitiva de sua inspiração, buscando concentrá-la. Como uma mola contraída, prestes a soltar-se em distensão. Ou, como a musculatura contraída de uma pantera, prestes ao bote. Configu-rando-se performance expressiva -- na atividade da produção artística -- como ex-pressão corpoativa imediata desta concentração. Toda ela vivenciada fenomenológico existencialmente, ação, atualização de possibilidade. Insubmissa ao real e à realidade. Ao princípio de realidade, e ao positivismo do real.
A postura expressionista permitiu a expressi-vidade cultural e artística, em particular em, tempos de terríveis opressões, e exerceu uma poderosa in-fluência não só na arte, como na cultura de um modo geral.
Em especial, exerceu uma poderosa influên-cia nas concepções e metodologias das PPFE.
Fritz Perls sofreu uma influência direta, na medida em que vivenciou, desde a adolescência, os experimentos de teatro expressionista de Max Rei-nhardt, na Alemanha.
A influência das concepções. metodologia e estilo do Expressionismo espalhou-se por todo o meio artístico e cultural da Europa e dos EUA, nos vários campos das artes. Aparecendo integrado nas con-cepções e metodologias das PPFE a partir dos anos 50. Na medida que, em particular, a questão destas era a da expressividade, a da vivência do vivido fe-nomenal, como fonte ontológica do humano, como fonte ontológica de geração e de regeneração, de po-tencialização, de atualização de possibilidades, e de criatividade existencial.



d. Existencialismo

Tomamos o termo Existencialismo aqui no seu sentido mais genérico, que envolve a filosofia da e-xistenz, oriunda nas filosofias de S. Kierkegaard, e de F. Nietzsche, e que originam o existencialismo moderno, enquanto movimento filosófico, artístico e cultural; e a literatura existencialista, que aparece em particular em obras como a de Albert Camus, e de J-P Sartre.
É interessante observar que, mesmo ao nível do existencialismo, precisamos distinguir entre as várias raízes, e as particularidades que elas deter-minam.
Assim, é interessante observar que a perspec-tiva de raiz do existencialismo nas PPFE, tais como elas se apresentam, em seu caráter de hermenêuticas fenomenológico existenciais, nas abordagens de Ro-gers, e de Perls, provém de um modo importante da filosofia da vida de F. Nietzsche.
Ainda que tenham uma contribuição impor-tante das idéias e posturas de S. Kierkegaard, é a particularidade da filosofia da vida de F. Nietzsche que constitui aspectos definidores da especificidade de sua concepção e metodologia.
Interessante, ainda, é notar que, na juventude Nietzsche aproximou-se da filosofia de Schope-nhauer. Atraía-o sobretudo a possibilidade de que a filosofia de Schopenhauer resgatasse o sentido do trá-gico dos gregos pré-socráticos.
Nietzsche constatou que, de fato, a filosofia de Schopenhauer nada tinha de trágico, e apenas encharcava-se na perspectiva de uma soturna orgia de pessimismo.
Desde então, Nietzsche afasta-se da filosofia de Schopenhauer, no sentido de constituir a sua filo-sofia como um resgate da perspectiva trágica dos gregos pré-socráticos. Filosofia radicalmente afirma-tiva da vida, ainda que com o reconhecimento de que vida, finitude e sofrimento, necessariamente se imbricam. E de que a finitude e o sofrimento não são motivos para difamar e negar a vida.
A afirmação da vida, reconhecendo o caráter intrínseco da finitude e do sofrimento, é o que carac-teriza o sentido do trágico nietzscheano. A afirmação trágica da vida, mesmo quando da finitude e do so-frimento, é condição de criação, e de potencialização da vida. De potencialização das forças de seu retor-no – retorno que lhe é característico e intrínseco --, condição de promoção de uma super abundâncias de forças de vida, da criatividade e da alegria.
Em Nietzsche, portanto, o trágico é alegre; é condição da alegria, e da criatividade...
De modo que não há como confundir, o exis-tencialismo matizado pelo pessimismo schopenhaueriano, com o existencialismo alegre, trágico e potente radicado na filosofia de Nietzsche. Se não podemos dizer que a filosofia de Nietzsche é uma filosofia otimista – pessimismo e otimismo, uma questão de néscios, dizia ele –, podemos dizer que a postura de afirmação da vida a ela característica, a-firmação da vida mesmo quando do mais negro sofrimento, é condição da alegria. De promoção de uma superabundância de forças de vida, da potên-cia do retorno da vida, da criatividade, e da alegria.
De modo que não podemos pressupor uma perspectiva pessimista, de viés schopenhaeriano, no existencialismo -- na verdade de raiz nietzscheana -- que dá origem às PPFE. Nem Nietzsche, nem o exis-tencialismo de raiz nietzscheana, nem as psicologias e psicoterapias fenomenológico existenciais devem a Shopenhauer neste sentido. Como a Psicanálise, por exemplo.

Humanistas, Kierkegaard e Nietzsche compar-tilham a aversão ao universalismo e ao idealismo da filosofia de Hegel. E, em particular, compartilham a aversão à desqualificação da subjetividade e do in-divíduo, que é própria ao hegelianismo. Nietzsche acrescentará a sua aversão à valorização das paixões tristes. Rejeitam, assim o hegelianismo, e buscam constituir as suas filosofias como perspectivas, hu-manistas, que têm como referência a experiência humana, a existência e o existencial.
Kierkegaard postou-se, não obstante, numa perspectiva visceralmente religiosa, constituindo um existencialismo religioso. Podemos dizer que se ele rejeita e livra-se de Hegel, não livrar-se-á de Só-crates e de Platão. Alvos maiores, também, da crítica Nietzscheana. Junto com Hegel, e com o cristianis-mo. As três mortes do sentido do trágico, segundo ele.
De modo que, sem negar a importância e a contribuição da filosofia de Kierkegaard, parece in-teressante entender que ela é limitada em termos da constituição do sentido das psicologias e psicotera-pias fenomenológico existenciais. Histórica e filosoficamente elas devem, em essência, à filosofia de Nietzsche a inspiração de suas peculiaridades fundamentais. Em especial aos poderes de geração e regeneração da existência, de criação e libertação, de sua perspectiva radical de afirmação da vida. O sim dionisíaco.
Neste sentido, da inspiração da concepção e do logos metódico das PPFE, é interessante consta-tar a observação nietzscheana de que A existência não tem ‘dentro’. Todo padrão de interiorização é doença (o-riunda esta da repressão da potência, do possível, possibilidade ex-pressiva, intrínseca ao existencial).
A existência é (como devir) a partir de onde e quando ela assim é como tal. (Caminho por onde há espaço, meu tempo é quando... – Vinícius). Sua ventura (de vento) é a vivida ventura soprada perenemente pela potência do possível, dada no vivencial, no fe-nomenal.
De modo que existencialismo, assim entendi-do, é a afirmação desta ventura. Vida à ventura, aventura. Como ousadia, audácia, de afirmação da potência do possível, dado na vivencia eksistencial. É a vida da ousadia e da audácia da aventura. Da ex-perimentação, neste sentido, do estilo experimental de afirmação de uma vida que experimenta (Nietzsche).
As psicologia e psicoterapias fenomenológico existenciais partem de uma constatação e reconhe-cimento desta perspectiva existencial. E buscam compreender, definir e constituir, em suas concep-ções e metodologia, em seus estilos, condições para este modo de vivência, no contexto do trabalho psi-cológico e psicoterapêutico. Vivência aventuresca, audaciosa, do estilo experimental de uma vida que experimenta, e cria, e potencializa-se, na interpreta-ção de seus possíveis.
Ação, atualização, condições para a atualiza-ção de possibilidades inerentes à vivência. Seja atualização ao nível meramente compreensivo da vi-vência do cliente, seja ao nível compreensivo-objetivativo de sua experiência, na dialógica inter-humana da relação com o terapeuta ou psicólogo, e na habitualidade de sua vida. O resgate da habitua-lidade de um estilo ousado e audacioso, aventuresco, com relação ao vivido, à vivência da potência do possível, e à atualização do possível no vivido existencial entranhado.

Fundamental observar que, não raro, este possível é sofrimento, é finitude. Não há compro-misso entre o possível e o agradável, entre o vivido e o sucesso. No meio da noite, Nietzsche, em seu amor fati, é o farol: Eu abençôo todo sofrimento... Nada do que é necessário me ofende... O que não mata, fortale-ce...”“.
O que Nietzsche indica é que a afirmação in-tegral da vida -- mesmo a afirmação do mais negro sofrimento -- se não abole a possibilidade do sofri-mento, e da finitude – afinal, eles são intrínseco à existência, podemos sofrer de uma super abundância de forças de vida, ou de uma falta de forças de vida... – se a afirmação integral da vida não abole o sofrimento e a finitude, potencializa o retorno das forças da vida, como uma super abundância de forças de vida, co-mo criatividade, e alegria.



e. Concepção da abordagem

Em linhas gerais, a concepção e o método das psicologias e psicoterapias fenomenológico existen-ciais assumem uma perspectiva existencialista, tal como estamos descrevendo. Em particular, elas se esmeram em criar condições para a oportunidade (kairós) de uma vivência existencial, no âmbito da sessão e do processo dito psicoterapêutico, do traba-lho psicológico ou da vivência grupal.
Estas condições envolvem a situação do tera-peuta, do psicólogo, numa mesma postura fenomenológico existencial experimental proposta para o cliente.
Trata-se de condições para que o cliente pos-sa se entregar dialogicamente, e inter humanamente compartilhar, a sua entrega à concrescência de sua atualidade e atualização existenciais. De modo que ele possa vivenciar, na sua intensidade própria, os limites, as aporias, desta atualidade. O que envolve a vivência dos sofrimentos e finitudes dela decorren-tes, mais ou menos agudos, mais ou menos cronificados, mais ou menos intensos. De modo a que possa secretar vivencialmente, fenomenológico existencialmente, os possíveis inerentes à potência da existência, e à superação, na atualização destes possíveis.
Fenomenológico existencial inter humano, no sentido dialógico que Buber descreve, o desempe-nho do terapeuta esmera-se, e apura-se, em abrir-se para o encontro, e para o desdobramento do encon-tro dialógico, com o cliente. Como co-laborativo, na laboração da vivência e das superações deste. Para isso, o terapeuta busca garantir certas condições de possibilidade deste encontro, e de sua performance fenomenológico existencial dialógica.


f. Metodologia

Rogers foi um dos principais propositores de uma metodologia para o provimento do estilo de uma vivência experimental para o cliente no proces-so da terapia.
Desde o ataque guerrilheiro na desconstrução do moralismo em psicologia e psicoterapia, com a sua noção, e a valorização da noção, de não diretivi-dade; passando pelas condições de criação de um clima terapêutico para o cliente: a consideração positi-va incondicional, a compreensão empática, e a genuinidade do terapeuta. Até o estilo fenomenológico existencial empírico e experimental de facilitação de grupos. Neste ínterim a proposição de uma pedago-gia fenomenológico existencial empírica e experimental.
Perls, fortemente bafejado pelo Expressio-nismo -- em especial pela experimentação teatral expressionista do audacioso e ousado teatro expres-sionista de Max Reinhardt --, desenvolveu o forte sentido de uma dramática expressionista, experi-mental e inter humanamente dialógica, como metodologia na relação com o cliente. Co-laboração experimental, no processo da laboração existencial experimental da vivência do cliente de sua atuali-dade e atualização existenciais. Dos limites, das aporias, e dos possíveis vivenciados nesta atualidade e atualização. Co-laboração no processo da labora-ção do cliente na atualização destes possíveis, na superação de seus limites, dos limites de suas fini-tudes, de seus sofrimentos. Na potencialização de seu processo ativo, de sua criatividade fenomenoló-gico existencial.

A experimentação, num sentido fenomenológi-co existencial (v.), é uma condição hermenêutica fundamental da metodologia das PPFE.
A concepção de experimentação, num sentido fenomenológico existencial, constitui-se na filosofia de F. Nietzsche, em particular no sentido de sua ga-ya scienza.
Enraíza-se consistentemente em toda a pers-pectiva nietzscheana da realidade e da verdade, como eminentemente perspectivas. A necessidade das perspectivas, da sua vivência, e da sua limitação por outras perspectivas.
Brentano, em sua linguagem, fala do caráter especulativo do ser. Que ele aborda através de seu empirismo aporético.
Poria origina-se de poro (grego), que significa passagem. A-poria significa limite, falta de passagem. Tanto para Nietzsche como para Brentano a existên-cia se caracteriza por aporias. A evolução até o limite, a falta de passagem. Ambos entendem que, no limite da aporia está a possibilidade, e a possibilidade da poiese. Ambos assumem uma ética deliciosamente apor-ética. São aporiófilos; aporiófilos é o que são.
A ética é um modo de proceder.
E a apor-ética deles define-se por privilegiar o fenomenal, o vivido, a perspectiva. Afirmá-los, em suas características, intensidades e intensificações próprias; até o seu limite, a sua aporia.
Este é o ponto próprio onde se detona o pos-sível, como poiese (atualização de possíveis). Onde se detonam novas perspectivas, em suas intensidades próprias. Novas perspectivas que limitam as prece-dentes.
O gozo da intensidade e do fluxo da perspec-tiva, o gozo do limite de sua aporia, e o gozo da superação, na potência ativa de novas perspectivas. Este o sentido da experimentação existencial.
Sem dúvida que a experimentação é sinôni-mo de tentativa, de risco. O risco de tentar o possível, sempre latente. A experimentação, não obstante, não é facultativa, é intrínseca à condição existencial humana. Ao gozo e à resolução existen-cial.
Nietzsche observaria:
Porque o medo é a vossa excepção. Mas a coragem e a aventura e o gosto do que é in-certo, do que ainda não foi tentado... a coragem parece-me ser toda a história primi-tiva do homem.
Invejou e roubou todas as suas virtudes aos animais mais corajosos e mais selvagens: foi só assim que ele se tornou... homem.

Pessoa colocaria a experimentação fenomeno-lógico existencial, aporética, diríamos, de forma que só Pessoa:
Tudo o que me acontece
O que se passa
Ou finda
É como um terraço
Sobre outra coisa ainda
Esta coisa é que é linda.

Pois bem, os psicólogos e psicoterapeutas são eminentemente aporéticos, aporiófilos. Perspectivativos, e aporéticos, aporiófilos. Assumem a radicalidade da afirmação do vivido, da afirmação da perspectiva vivida. E estão sempre interessados no limite, na aporia. Empiristas, assumem a vivência do curso, das intensidades e fluxos vividos da perspectiva; as-sumem e propõem a vivência da aporia, e a sua superação em novas possibilidades.
Como ponto de partida, é como se estivessem sempre perguntando ao cliente, onde é que está o limi-te? como é que está o limite? como é que está o sofrimento da finitude vivida? ou não vivida? ou por viver? E, como Nietzsche, implicitamente dirão sempre: ... Pois mui-to bem! Vamos lá, experimenta-te. Mas não quero voltar a ouvir falar de nenhuma questão que não autorize a ex-periência. Tais são os limites da minha ‘veracidade.

As raízes das concepções e metodologias das PPFE vão encontrar uma fonte fecunda, e das mais fundamentais, na filosofia do diálogo e do dialógico, de Martin Buber.
Buber contribui, em particular, pela compre-ensão do caráter ontológico do vivido fenomenológico existencial experimental, como re-lação, eu-tu, tal como ele designou.
Para Buber a vivência eu-tu resgata-nos da coisidade e da coisificação do modo eu-isso de ser-mos da cotidianidade. Existencial, o dialógico feno-menológico, eu-tu, demanda a entrega à concretude da atualidade existencial, em seus limites, finitudes, aporias, potências e sofrimentos. A partir daí pode determinar-se opção e superação. Que nos resgatam do decurso ilimitado do mundo e da vida coisifica-dos.
Estes esclarecimentos de Buber foram fun-damentais para a constituição progressiva do estado da arte das concepções e do logos metódico das PPFE. Em particular, no sentido do primado da en-trega radical à concreude da existência, como abertura para o modo dialógico, eu-tu, de sermos e como estratégia de potencialização e de superação.
Mas, mais que isto, as considerações de Buber sobre o dialógico, o eu-tu, entre as pessoas, o inter humano, e os elementos do inter humano , definem a análise de um conjunto de fatores que impedem o desenvolvimento da dialógica do inter humano; ao mesmo tempo em que permitem compreender e de-finir os elementos que o propiciam. Assim, propiciam o inter humano:
O privilegiamento do ser, ao invés do mera-mente parecer.
O privilegiamento do inter humano, que não é inerente ao meramente social.
O privilégio da conversação genuína. Ao invés do império do blá, blá, blá.
A presentificação do outro.
O privilégio da pedagógica abertura. Ao invés da imposição propagandística.
Todas estas, condições de possibilidade da dialógica do inter humano . Estas indicações de Buber serviram de preciosos guias para a definição do logos metódico do psicólogo e do psicoterapeuta fenomenológico existencial na sua relação com o cli-ente.

O empirismo fenomenológico existencial das PPFE é uma de suas características mais fundamen-tais. Devemo-lo originalmente a Aristóteles, tal como resgatado por Brentano.
Estas abordagens, como já observamos, privi-legiam a imediaticidade vivida do desdobramento da dialógica pré-teórica, pré-reflexiva, pré-conceitual, fenomeno-lógica e existencial. Seja do encontro entre o terapeuta e o cliente, seja a dialógi-ca da vivência, no encontro, de cada um “consigo mesmo”. Toda esta dialógica é, eminentemente, em-pírica; fenomenológico existencial empírica.
Podemos, assim, entender o primado de um caráter de vivência eminentemente empirista, como logos metódico das psicologias e psicoterapias fe-nomenológico existenciais. Como primado de filosofia de vida, como primado de vivência para o cliente no âmbito do processo do trabalho psicológi-co e psicoterapêutico, como primado de vivência metodológica, no desempenho do psicólogo e do psicoterapeuta, ao longo do processo de seu traba-lho.
Um caráter empirista, no sentido especifica-mente fenomenológico existencial, assim, como caráter metodológico fundamental.
O empirismo em si é uma abordagem da reali-dade na própria vivência da realidade, sem a mediação do conceitual, do teórico .
Aristóteles em seu tratado De Anima oferece uma alternativa fundamental, quando propõe -- ao largo do uso de seu método empírico nas ciências naturais -- que a consciência, igualmente, deve ser metodologicamente abordada empiricamente. Ou se-ja, a consciência deve ser metodologicamente abordada empiricamente, na própria vivência de consciência. E não a partir de princípios e pressu-postos teóricos.
Ele define, assim, a perspectiva do método de um empirismo da consciência.
Brentano segue a indicação de Aristóteles, e passa a esposar uma metodologia empírica de con-cepção e abordagem da consciência. Ou seja, uma abordagem da consciência na própria vivência da consciência, sem a mediação do teórico, e do concei-tual.
A concepção e o método da Psicologia, assim como o método da Filosofia, passam a ser entendi-dos, a partir de Brentano, e em sua tradição fenomenológica, como o mesmo método empirista das ciências naturais.

Uma particularidade definidora é a de que Brentano compreende a intencionalidade da consciên-cia: a consciência constitui-se como um campo em que a correlação sujeito e objeto já pré-existe de um modo indissociável, modo este anterior a qualquer possibilidade de separação, sujeito e objeto são coo-riginais em sua intrínseca correlação.
De modo que o empirismo fenomenativo da consciência em Brentano só poderia ser um empiris-mo do campo da consciência intencional – que se situa, assim, fora da dicotomização sujeito-objeto. E não, evidentemente, um empirismo objetivista, característi-co do empirismo da tradição anglo saxã. Empirismo objetivista este que fundamenta, inclusive, o empi-rismo do seu Pragmatismo.
Empirismo objetivista (não fenomenológico), assim -- e Pragmatismo, nele fundamentado --, que, fora de uma perspectiva da consciência como campo intencional, situa-se na perspectiva da dicotomização sujeito-objeto. E, não só: situa-se, enfaticamente, no privilegiamento do objeto no âmbito desta dicoto-mização.
Questão fundamental esta, uma vez que a Fenomenologia e o seu empirismo apontam para um modo de ser ontologicamente fundamental. Modo de ser este que não se dá no âmbito do que podemos entender como a dicotomização sujeito-objeto.
Silvia Pimenta , comentando a perspectiva e o perspectivismo da filosofia de Nietzsche, observa:
Não se trata portanto da impossibilidade de atingir uma realidade exterior aos nossos afe-tos, mas da impossibilidade de distinguir duas ordens de realidade: subjetiva e ob-jetiva, ideal e material, numênica e fenomênica. Trata-se da impossibilidade de transcendência: o que quer que seja “o mundo”, o homem é parte integrante dele, e não pode reivindicar a exterioridade que seria necessária para instituir a si mesmo como sujeito e ao mundo como objeto. O percurso que conduz do homem ao mundo não é uma relação entre sujeito e obje-to: sendo o homem uma parte do mundo e não uma instância a ele transcendente, a vontade de potência no homem constitui apenas um caso particular da vontade de potência em ge-ral. Curiosamente, a filosofia de Nietzsche se aproxima aqui da concepção parmenidiana da identidade entre ser e pensar: entre o mundo e o ato de interpretar não há afinidade ou ade-quação, mas identidade. (Velloso Rocha, 2003. p.65.).
De modo que, especificamente, o empirismo fenomenológico não é um empirismo do objeto. Mas um empirismo da vivência de consciência.
Da mesma forma, não permite uma intersubje-tividade. Na medida em que se dá fora da dimensão da dicotomia sujeito-objeto, não dispondo, em seu momento, do sujeito, da mesma forma em que não dispõe de objeto.

Ainda que não se dê no âmbito da dimensão própria à relação sujeito-objeto. A vivência fenome-nológica empírica é sempre vivência de relação, e tensão de diferença, de alteridade. A dualidade de relação da vivência fenomenológico existencial em-pírica se dá como a dualização da relação eu-tu.
Quando ocorre a diferenciação sujeito e obje-to já não se está mais no modo de ser dialógico da vivência.
Assim, o empirismo da consciência fenomenal da fenomenologia da tradição de Brentano é um empi-rismo fenomenológico da vivência de consciência intencional, um empirismo ativo, cujo solo e natureza é radicalmente diferente dos do empirismo objeti-vista.

Carl Rogers, F. Perls, F. Brentano, F. Nietzs-che, Paulo Freire (vale dizer) eram, assim, empiristas. Mas empiristas neste sentido fenomeno-lógico existencial dialógico. E, jamais, empiristas no sentido objetivista do termo.

Caracteristicamente, a crítica teórica encontra algo de vazio e inconsistente na obra desses empiris-tas. Isto se dá, exatamente, porque eles não são teoréticos. Eles são empiristas poiéticos. Que se defi-nem pelo privilégio da vivência de consciência, e da vivência do ato, da ação: da atualização do possível, que só no âmbito do seu pathos (empathia) pode evi-denciar-se, efetivar-se.

Isto não quer dizer que suas concepções não gerem uma teoria, não sustentem, e não se susten-tem, em uma teoria. Ou que da vivência de seu método não se possa derivar uma teoria. Muito pelo contrário, a definição de seu método cristaliza-se te-oricamente. E teorização pode emergir da vivência de seu método. A característica, não obstante, é a de que a vivência de seu método é a vivência momen-tânea de um modo não teórico, fenomenal, de sermos. Um modo no qual vivenciamos o possível, e a sua atualização. Ou seja, um modo de sermos no qual o possível é possível, e se desdobra.
Nada contra a teorização anteriormente aos momentos especificamente empíricos, e não teóricos. Ou posteriormente.

Carl Rogers, por exemplo, era, definitivamen-te, um empirista. Um empirista radical. Um empirista da vivência dialógica do inter humano.
Isto é preciso que se entenda, e se explicite.
Mas é necessário que, igualmente, se entenda, e se explicite, que, radicalmente empirista, Carl Ro-gers nada tinha do empirismo objetivista, do empirismo pragmatista, do empirismo positivista. Por mais que isto não tivesse ficado conceitualmente claro, muitas vezes. E por mais que o confundissem, explicitamente, ou não, muitos de seus seguidores.
Uma coisa é a “empatia” objetivista, com toda uma série de adornos da moda e peduricalhos pos-síveis. Outra coisa é a empatia na dialogicidade do inter humano, fenomenológico existencial dialógica, e empírica.
Carl Rogers prigilegiava radicalmente a vi-vência dialógica empírica, e empática – patética, peripatética --, do encontro com a pessoa, do encontro com o grupo. Nada de conceitos a intermediar este encontro. Nada de técnicas ou de outros recursos comportamentais. Nada de moralismo ou de pre-tensões científica, ou cientificistas. Nada de teoria, de teorização, de teorética. O que interessava fun-damentalmente a Rogers era a empiria dos momentos dialógicos de vivência do encontro; o que quer dizer, a empiria da vivência da poiética da dia-lógica do encontro. Da vivência empáthica da dialógica do possível, e de sua interpretação (des-dobramento), atualização, inerentes à empiria da vivência de consciência fenomenal.

As abordagens fenomenológico existenciais de psicologia e de psicoterapia primam assim pelo privilegiamento do âmbito vivencial fenômeno-lógico existencial, pelo âmbito da compreensão, e do desdobramento do possível que lhe é inerente.
Em essência, a explicação, que se diferencia fundamentalmente da compreensão (em particular porque não há explicação que possa levar à compreensão – Takuan Soho), a explicação, é absolutamente se-cundária para as psicologias e psicoterapias fenomenológico existenciais.
Se Freud explica, primordialmente as aborda-gens fenomenológicas não estão interessadas na explicação.
Os psicólogos, os terapeutas fenomenológico existenciais, em essência, não explicam. Eles impli-cam.
No sentido de que eles não são exteriores e alheios à dialógica alteritativa do encontro inter humano com o cliente. É a esta dialógica que eles querem privilegiar, e a ela pertencer implicativa-mente, compreensivamente.
A arte que eles buscam cultivar é da perfor-mação como partícipes no próprio âmbito desta dialógica. Como forma de potencializar a situação do cliente no âmbito de sua própria vivência dialó-gica, na dialógica da vivência de sua relação com o terapeuta/psicólogo, na dialógica da relação em seu ser-no-mundo.
De modo que ele possa vivenciar compreen-sivamente, e no desdobramento de sua compreensão, vivência, a sua atualidade e atualiza-ção fenomenológico existenciais; suas perspectivas, limites, aporias, e superações.

Compreensão e desdobramento de compre-ensão; vivência e desdobramento de vivência, como atualização de possibilidades, que em hermenêutica fenomenológico existencial entende-se como inter-pretação fenomenológico existencial.

Classicamente, a Hermenêutica é entendida como a arte da interpretação. De modo que as psicolo-gias e psicoterapias fenomenológico existenciais são, em essência, e propriamente, hermenêuticas feno-menológico existenciais.

Aparentadas da arte, porque a arte é irmã gêmea da existência... A arte é uma ética, est-ética, de afirmação estésica da existência. Estética de afir-mação vivida da vivida afirmação que é já a potência da existência e da existenciação, em suas perspectivas espontâneas e gratuitas, em seus limi-tes, sofrimentos, superações, alegrias...
Nem teorética, nem prática... poiética. Patéti-ca.